A importância do retorno preventivo em Odontopediatria

Você, muito provavelmente, ao se despedir do seu paciente, comenta com ele algo do tipo: “Nos vemos em tanto tempo”. Quando você não comenta, o próprio paciente normalmente lança a indagação: “Dr., preciso voltar quando?”. Se sua despedida do paciente não está atrelada ao prazo para retorno, você está fazendo algo errado e que, inclusive, pode refletir no seu financeiro. Mas isso é papo para outro artigo… O que eu quero conversar com vocês agora é sobre a importância dos retornos regulares em Odontopediatria e, para iniciar esse nosso papo, já digo logo que não existe receita de bolo.

– “Ah, Dra., toda vez você fala isso, sobre individualizar tratamento, que ladainha!”

Pense comigo: Cada paciente tem a sua necessidade, correto? Um vai te visitar sempre apenas para fazer consultas de profilaxia e aplicação tópica de flúor. Outros, mesmo que visitem você mais vezes, sempre vão aparecer com novos achados bucais demandando tratamento.

Então, por que eu deveria colocá-los todos no “mesmo bolo” em relação à recomendação de retornos regulares, se as necessidades são completamente diferentes?

Portanto, vamos conversar um pouco a respeito do assunto, para que VOCÊ saiba definir o prazo e a necessidade de retornos regulares do seu paciente, especialmente em Odontopediatria. Entenda que, este artigo foi desenvolvido com base na minha rotina clínica e deve ser adaptado às características da sua demanda de consultório. Mas vou te deixar minhas sugestões! Vamos lá.

  1. Paciente odontopediátricos não recebe “alta”.

Isso mesmo que você leu. Não gosto nem de me referir ao final do tratamento do meu paciente como “alta clínica”, porque dá o entendimento errôneo de que aquela família pode ir para casa e que só deve voltar quando aparecer um novo problema. E não é bem assim.

O paciente deverá retornar para acompanhamento de crescimento ósseo, verificação das trocas dentárias, monitoramento e controle de hábitos e, ainda, para identificar problemas bucais o mais precocemente possível, caso ocorram.

  1. Retorno semestral recomendado mesmo em pacientes sem demanda de tratamento

Lembre-se que, na odontopediatria, nosso foco não deve ser o reparo, mas a prevenção. Portanto, mesmo que esteja tudo aparentemente bem com a saúde bucal da criança, livre de novas queixas, sem novas manchas, sem nada diferente, é importante fazer, no mínimo, duas visitas ao dentista durante o ano (retorno semestral). Este é o prazo que eu coloco como prazo máximo de retorno de crianças de 0 aos 12 anos, enquanto ainda tiverem algum dente decíduo em boca.

>>>Leia mais: Tratamento endodôntico na odontopediatria

Vamos relembrar um pouquinho da anatomia de dentes decíduos? Diferentemente dos dentes permanentes, os decíduos possuem características anatômicas que acabam facilitando que a progressão da doença cárie aconteça de maneira mais rápida. Isso porque os dentes decíduos possuem menor espessura de esmalte, menor espessura de dentina, câmaras pulpares coronárias amplas com projeção dos cornos e, tudo isso, pode fazer com que uma lesão cariosa atinja facilmente a polpa.

Se isso acontece, rapidamente perdemos a oportunidade de tratar um dente com restaurações simples, e precisamos partir para sugestões de tratamentos mais invasivas como endodontia ou extração. Portanto, o prazo é encurtado em relação à possibilidade de tratamento conservador e invasivo em odontopediatria, justamente porque tudo acaba acontecendo mais rápido em uma boca de criança.

>>>Confira um caso clínico de endodontia em um paciente infantil 

  1. Retorno trimestral em pacientes silenciados, com histórico de doença ou trauma

O que significaria um paciente silenciado? Aquele que, em algum momento, já precisou passar por algum tratamento de doença com você. Exemplos:

  • Paciente com histórico de doença cárie, com dentes restaurados ou não
  • Paciente com relato de recorrência no aparecimento de cálculo/tártaro nos dentes
  • Paciente com HMI, HMD ou defeitos de desenvolvimento congênitos similares
  • Paciente com histórico de traumatismo dento alveolar
  • Entre outros.

Dessa forma, significa que aquele paciente, em alguma fase da vida, já esteve em desequilíbrio bucal. Ou seja, ele tem maior propensão a desenvolver novos problemas, caso volte a acontecer o desequilíbrio da rotina, dieta, higiene e afins. Portanto, ele merece uma atenção especial.

Nesse caso, eu considero o prazo de 6 meses muito longo para ver esse paciente. Eu preciso que ele esteja no meu consultório mais vezes ao ano, para me certificar de que ele está aplicando em casa as instruções que eu passei. Portanto, para esses casos, eu solicito visitas trimestrais apenas para controle e acompanhamento.

Se eu percebo, no entanto, que após 4 visitas trimestrais, aquele paciente se apropriou das recomendações que eu passei, teve mudança de hábitos e comportamento, dentro do período de um ano não desenvolveu novas necessidades clínicas, começo a tratá-lo como um paciente “sem demanda de tratamento”, com retorno mais espaçado, a cada seis meses. Deu pra compreender?

Além disso, vale lembrar que casos de traumatismo dentário devem respeitar os retornos preconizados de maneira consensual, como o preconizado pelo guideline da IADT.

>>>Leia também: Lesões traumáticas na dentição decídua e dentadura mista

  1. Retorno semanal durante o tratamento

É óbvio que esse retorno semanal às vezes é incompatível com a viabilidade de deslocamento do paciente, às vezes é incompatível com a sua agenda, e isso precisa ser ajustado de acordo com a frequência que é possível para ambos. Mas uma dica que eu dou é: paciente em tratamento retorna semanalmente até finalizar os cuidados. Até para que a gente consiga MOTIVÁ-LO a cuidar daquilo que estamos “reformando” e dividir a responsabilidade dos cuidados bucais.

Portanto, imagine a seguinte situação clínica: Paciente X, com necessidades de restaurações, extrações, endodontias, ortopedia etc. Caminharemos com retornos semanais enquanto estivermos cumprindo com as necessidades de adequação de meio (restauração, extração, endo), depois os retornos se darão de acordo com a necessidade da manutenção do aparelho ortopédico e, depois, para controle de doença trimestral. Passado um ano… Está livre de novos achados? Retorno semestral.

  1. Retorno anual de paciente controlado, saudável, em fase de dentição permanente completa

Paciente trocou todos os dentes decíduos, saiu da fase da dentadura mista e agora só tem dente permanente em boca. Nessa fase, já espero que com o controle periódico regular durante a infância, esse paciente adolescente já tenha discernimento acerca dos cuidados que precisa ter com sua própria saúde. Assim, se é um paciente livre de doença ou surgimento de novas demandas há mais de 1 ano, já tem dentição permanente completa, e é um paciente considerado baixo risco… Posso, inclusive, considerar retornos preventivos ANUAIS sem medo.

Assista agora: https://youtu.be/7lONAqR1Fgk

Isso é regra? Claro que não!

Temos muitos adolescentes, jovens, adultos e até idosos que precisam retornar nos nossos consultórios semestralmente, talvez até trimestral ou bimestralmente, por conta de necessidades específicas. Justamente por isso é tão comum depararmos com sugestões de retornos ao dentista semestralmente para qualquer pessoa. Porque de acordo com o senso popular, a cada 6 meses terei novas coisas para tratar. Da mesma forma que o senso popular acha que ser idoso é sinônimo de ficar desdentado. E não! Não preciso ir ao dentista semestralmente se aprendi a cuidar da minha saúde bucal em casa, se não tenho demandas em tratamento, se não tenho algo específico para tratar e se não tenho queixas. E não! Não ficaremos idosos desdentados, porque não é causa-consequência e é completamente viável, cuidando, chegarmos à terceira idade com todos os dentes na boca. Essa é a ideia.

  1. Os retornos regulares e preventivos são parte do cuidado da saúde geral, mas o cuidado regular em casa é muito mais importante!

Isso porque, um paciente em tratamento precisa sair do pensamento de: “Estou pagando… O dentista que se vire para arrumar minha boca (no nosso caso, arrumar a boca do meu filho)”, partindo para um pensamento coletivo mais compatível com: “Estou pagando… Portanto, o dentista vai arrumar a boca do meu filho e eu preciso ajudar a manter aquela condição de saúde, caso eu não queira ter mais prejuízos (tanto financeiro quanto fisiológico)”.

Vamos pensar comigo?

Na melhor das hipóteses, somos dentistas do nosso paciente a cada semana, mês, trimestre, semestre ou a cada ano. O que vai fazer com que ele não desenvolva problemas, não são os retornos preventivos. Eles são MUITO importantes, SIM! E por isso merecem nosso cuidado e critério na hora da determinação do retorno para cada caso. Mas quem previne doenças bucais é o próprio paciente e, no caso das crianças, suas famílias ao se apropriarem daquilo que recomendamos. Os pais é que são os dentistas de seus filhos, em casa, todos os dias. Portanto, quem previne problemas são eles, com hábitos diários.

  1. Retornos regulares específicos devem ser mantidos

Por fim, vale lembrar que o uso de aparelhos, próteses, implantes, ou outros tipos de aparatos bucais demandam retornos de manutenção regulares. E, isso, apenas o seu dentista saberá dizer, de acordo com seu caso.

Isso também deve ser explicado ANTES da tomada de decisão de tratamento. Porque a família precisa consentir que, ao instalar um aparelho, por exemplo, será necessário retornar frequentemente (uma vez ao mês, normalmente) para manutenção. Se isso não for esclarecido, incorreremos num sério risco de comprometer a saúde daquele paciente, ao invés de promover melhorias.

Espero que esse artigo tenha dado uma expandida nos seus horizontes em relação à necessidade dos retornos em odontopediatria, mas lembre-se que, apesar de clichê, o segredo está em individualizar o tratamento.

Um beijo fluoretado, da tia Sam.

Sobre a autora:

Dra. Samantha Sousa | @drasamanthasousa

  • Cirurgiã-dentista
  • CRO-DF 12.880
  • Mestra em Odontologia (UnB)
  • Doutoranda pelo Programa de Pós Graduação em Odontologia
  • Universidade de Brasília
  • Professora Titular de Odontopediatria do ICESP e Professora Substituta de Odontopediatria da UnB

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