Você sente cansaço ou sonolência durante o dia? Parece que não dormiu? Quantas horas de sono por noite você dorme? Essas são questões relevantes para considerar e investigar sobre a saúde do seu paciente: a presença de distúrbios do sono pode estar associada a problemas da saúde oral e por isso a Odontologia do Sono é tão importante!
A correlação é positiva se o paciente apresentar algum destes transtornos:
- Ronco primário;
- Síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS);
- Bruxismo do sono;
- DTM e dor orofacial;
- Refluxo gastroesofágico.
O ortodontista tem a possibilidade de proporcionar uma alternativa de tratamento não cirúrgico (para os casos selecionados) com o avanço mandibular através da prescrição de aparelhos intrabucais. A odontologia do sono é uma especialidade que atua no diagnóstico, prevenção e tratamento das condições orais que prejudicam a qualidade do sono.
Outros profissionais também participam: otorrinolaringologista, neurologista, fisioterapeuta e fonoaudiólogo compõem a equipe multidisciplinar que irá atuar na reabilitação do paciente considerando-se os diferentes graus de complexidade das condições que afetam o sono.
Há outras formas de tratamento que serão descritas no texto e denotam a particularidade dos comportamentos dos distúrbios do sono que afetam a vida das pessoas, de crianças a idosos!
Mas afinal, o que acontece enquanto dormimos?
A Fisiologia do sono
O sono desempenha um papel de suma importância para a regulação da homeostase, que é o equilíbrio das condições biológicas internas (por exemplo: temperatura, pressão arterial), no organismo e a manutenção da qualidade de vida. O corpo humano funciona seguindo o ciclo circadiano, isto é, o ritmo biológico durante o período de 24h. A liberação do hormônio cortisol durante o dia põe o indivíduo em estado de vigília, o nível deste hormônio é dose dependente da exposição à luz.
À medida que se reduz a exposição a este estímulo, a taxa do cortisol também diminui. A partir disso seguem-se as ações dos reguladores que estimulam o sono: a melatonina detecta a presença de luz no ambiente e sinaliza que é hora dormir, desacelerando as atividades fisiológicas. Já a adenosina reduz a demanda energética das células nervosas.
Enquanto você dorme acontecem os eventos de:
- Relaxamento muscular;
- Processamento das informações (consolidação da memória);
- Os estímulos criativos são gerados;
- Restauração celular: ocorre a “limpeza” do lixo metabólico acumulado nas células nervosas, endotoxinas que expõem ao risco de desenvolvimento do Alzheimer e outras doenças;
- Reparação tecidual: enquanto você dorme o corpo trabalha na renovação celular;
- Regulação das emoções: pessoas que dormem mal mostram uma irritabilidade acentuada, alterações de humor e que podem influenciar as relações sociais.
A odontologia do sono e o distúrbio do sono, qual a relação?
O sono pode estar prejudicado em virtude de doenças que comprometem a saúde bucal, estas podem estar agrupadas em cinco categorias de transtornos:
- Condições respiratórias relacionadas ao sono: ronco primário, síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS), síndrome da resistência das vias aéreas superiores (SRVAS).
- Condições do sono relacionadas à dor orofacial: DTM (disfunção temporomandibular), dor orofacial, síndrome da ardência bucal.
- Condições de umedecimento relacionadas ao sono: papeis desenrolados pela xerostomia e o seu oposto, a hiper salivação.
- Condições do sono relacionadas ao refluxo gastroesofágico
- Condições do sono relacionadas aos movimentos mandibulares: bruxismo do sono
Condições respiratórias relacionadas ao sono
O ronco primário se caracteriza pelos sons produzidos pela vibração de sons na nasofaringe durante o sono. Não tem relação com a apneia, nem com despertares, arritmias e nele não há queixa de sonolência diurna.
No caso da síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) ocorre o bloqueio da passagem do ar nas vias aéreas superiores por mais de 10 segundos, em que o paciente desenvolve ≥ 5 eventos de apneia ou hipopneia a cada hora no decorrer do sono. São sintomas comuns: sonolência diurna, despertares durante o sono, insônia, fadiga, sufocação, interrupção da respiração, ronco alto, dentre outros sinais clínicos.
Ela pode ser classificada em três subtipos:
- Leve: 5 a 15 episódios/hora
- Moderada: 16 a 30 episódios/hora
- Grave: > 30 episódios/hora
Na síndrome da resistência das vias aéreas superiores (SRVAS) nota-se a presença de pequenas dificuldades respiratórias ligadas a alterações na forma de desvio de septo, colapso da valva nasal e hipertrofia de corneto inferior. Esta síndrome tem por características comuns: resistência à passagem do ar nas vias aéreas, despertares noturnos, dificuldade para voltar a dormir, que resultam em cansaço e sonolência diurna.
Diagnóstico das condições respiratórias relacionadas ao sono
Além de uma anamnese detalhada, com questionário específico para investigar a presença de algum distúrbio respiratório, o exame físico do paciente também é significativo. O padrão ouro de diagnóstico é a polissonografia, exame que detecta o tipo de distúrbio do sono que o paciente possui e, se for apneia, aponta o grau de severidade da mesma.
Fatores de risco para o desenvolvimento da SAOS
A apneia obstrutiva do sono reduz a qualidade de vida por aumentar os riscos de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, acidentes vasculares cerebrais e a maior incidência de diabete. Outro fator relevante é o perigo de mortalidade em pacientes que trabalham dirigindo em razão da sonolência diurna, que pode provocar acidentes. Os fatores de risco abrangem a obesidade, o consumo excessivo de álcool, a macroglossia (tamanho aumentado da língua), hipertrofia da glândula adenoide e o retrognatismo mandibular (mandíbula posiciona-se recuada).
Tratamento das condições respiratórias relacionadas ao sono
O tratamento dos transtornos respiratórios do sono tem como objetivos: melhora da capacidade respiratória, oxigenação do sangue, favorecer o fluxo de ar pelas vias aéreas. A primeira linha de tratamento consiste da manutenção da pressão positiva das vias aéreas com a oxigenação efetuada pelo aparelho CPAP.
Para o tratamento do ronco primário, síndrome da resistência das vias aéreas superiores e nos casos leves a moderados de apneia obstrutiva do sono pode-se promover a permeabilidade da passagem do ar com o uso de aparelhos intrabucais que avançam a mandíbula.
Como a Odontologia do Sono atua na Ortodontia?
O Ortodontista diagnostica e avalia os casos que podem ser beneficiados com a mecanoterapia ortodôntica, já que é preciso haver parâmetros cefalométricos que permitam este tipo de tratamento. Estes aparelhos podem atuar somente na mandíbula ou em mandíbula e maxila, a escolha do tratamento depende de vários fatores, dentre os quais a faixa etária do paciente.
Os pacientes infantis são privilegiados com a abordagem ortopédica funcional dos maxilares durante seu crescimento. Os adultos podem ser tratados com o avanço de mandíbula e a disjunção palatina realizada pelo MARPE (sigla em inglês para expansão rápida da maxila assistida por mini implantes).
Vale ressaltar que o tratamento não cirúrgico dos distúrbios respiratórios do sono não os cura com o uso dos aparelhos: estes controlam as estruturas orais envolvidas nos transtornos do sono para melhorar a respiração. A psicoterapia, perda de peso, redução do consumo de álcool e, oportunamente, o tratamento medicamentoso também contribuem para a qualidade de vida do paciente.
A cirurgia ortognática trata removendo as causas: avanço cirúrgico da mandíbula, disjunção cirúrgica da maxila, remoção dos obstáculos mecânicos da respiração (hipertrofia da glândula adenoide, hipertrofia de cornetos, desvio de septo…). A decisão pelo tratamento cirúrgico apoia-se no diagnóstico obtido com a polissonografia e possui uma terapia multidisciplinar: ortodontista, cirurgião bucomaxilofacial, otorrinolaringologista e pode contar também com o fisioterapeuta e fonoaudiólogo.
Condições do sono relacionadas à dor orofacial
A dor é um evento subjetivo que causa grande desconforto e pode atrapalhar a rotina de um indivíduo. Se permanece após o período considerado agudo, a dor cronifica e pode ser disparada através da estimulação do sistema nervoso central e/ou periférico. A dor orofacial agrupa condições marcadas por intensa sintomatologia dolorosa, e possuem algo em comum: o campo das emoções. Estresse, raiva, medo, ansiedade são emoções fortes que podem se refletir somaticamente na forma de dor orofacial (aguda e crônica), DTM (disfunção temporomandibular) e a síndrome da ardência bucal.
Pessoas que apresentam dor orofacial crônica estão mais propensas a desenvolverem algum tipo de distúrbio do sono e vice e versa. A privação do sono acarreta a sensibilização do sistema nervoso central (SNC), refletindo-se na fragmentação do sono e episódios de despertares noturnos.
O que é DTM?
DTM é termo empregado para descrever um grupo de condições musculoesqueléticas e neuromusculares (afetam os dentes, ossos, músculos, articulação temporomandibular, tecidos anexos) que caracterizam a maior causa de dor orofacial. São etiologia multifatorial, porém, estão fortemente associadas a fatores psicossociais (transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade, depressão).
A síndrome da ardência bucal (SAB) é definida pela associação internacional de estudos da dor (IASP) como “uma sensação intraoral de queimação, onde nenhuma queixa médica ou odontológica pode ser encontrada”. Causas locais, sistêmicas ou de natureza psicológica podem desencadear a SAB. A redução do fluxo salivar (xerostomia), dor e alteração do paladar compõem a tríade patognomônica para o diagnóstico da síndrome da ardência bucal. O tipo e a intensidade deste distúrbio podem também resultar em dificuldades para dormir.
O que é Xerostomia e como ela está ligada a Odontologia do Sono?
A xerostomia é a redução do fluxo salivar que resulta em sensação de boca seca. Pode ser provocada pela Síndrome de Sjögren, como efeito adverso de medicamentos (antidepressivos, antimuscarínicos, anti-histamínicos), reação frente ao tratamento com quimioterapia/radioterapia, efeito da menopausa. Também pode estar associada à presença de transtornos psicológicos, notadamente a ansiedade. Os portadores de xerostomia podem se queixar de fragmentação do sono em vista dos despertares noturnos resultantes da sensação de boca seca, necessitando levantar para beber água.
De modo contrário, a hiper salivação é o excesso da produção de saliva e que também incomoda o sono, já que existe um desajuste no ritmo entre a produção da saliva e a sua deglutição. Isto acontece com pacientes que apresentam a doença de Parkinson, fazem uso de medicamentos sialagogos, usam próteses mal adaptadas e acabam acordando repetidas vezes durante a noite. A abundância de saliva faz o paciente tossir, pode causar engasgo ou até a sufocação.
Ambas as condições de saúde merecem atenção especial do cirurgião-dentista para identificar o quadro e atuar na terapia mais adequada. A saúde bucal pode ser comprometida e a remoção da causa é principal meta, e não apenas solucionar os sintomas aparentes.
O refluxo gastroesofágico pode influenciar na Odontologia do Sono?
O Refluxo gastroesofágico noturno pode estar correlacionado à presença da apneia obstrutiva do sono (SAOS) no seu tipo severo. Os mecanismos que causam o refluxo noturno são a baixa pressão do esfíncter esofágico que favorece o refluxo em consequência da pressão negativa no esôfago e a pressão positiva do lúmen gástrico. Ou seja: as estruturas que controlam o fluxo gástrico não impedem a ocorrência do refluxo, caracterizado pelo retorno do ácido estomacal para a boca. Este fato é evidenciado pelos sinais clínicos de erosão dentária e sensibilidade dentária aumentada.
O refluxo noturno é uma modalidade mais severa deste distúrbio, em que a duração dos episódios é prolongada e causa grande incômodo aos pacientes que relatam frequência de despertares durante o sono. A relação com a apneia pode se explicar em função do esforço para respirar, depois de um episódio apneico, o qual aumenta a força para desencadear a atividade do refluxo por facilitar o retorno do líquido gástrico.
O que é o Bruxismo?
O bruxismo é atividade para funcional (extrapola a função normal do sistema mastigatório) caracterizado pelo ranger de dentes ou pelo apertamento dentário realizado involuntariamente, deslocando a mandíbula. Para esta movimentação os músculos mastigatórios, ATM (articulação temporomandibular), dentes, periodonto (gengiva, ligamento periodontal, cemento) e ossos são forçados a suportar forças pesadas que causam sérios prejuízos aos mesmos. Pode suceder durante o dia, em situações de intenso estresse, e também na forma do bruxismo do sono.
O bruxismo do sono é notado quando se observa no paciente durante o exame clínico a presença de:
- Desgastes dentários, de restaurações dentárias, fraturas de coroas;
- Dor orofacial;
- Pulpite;
- Retrações gengivais;
- Dor e/ou estalo ao abrir e fechar a boca.
O bruxismo tem forte ligação com o processamento das emoções: ansiedade, depressão, estresse, medo, experiências traumáticas, raiva. São sentimentos experimentados durante o dia e que enquanto você dorme aparecem de forma involuntária sobrecarregando as estruturas orofaciais com movimentos de contração ou protrusão da mandíbula. O quadro de depressão e estresse geram respostas hormonais ligadas à estimulação do bruxismo. Outros fatores predisponentes são o consumo de álcool, drogas, doenças neurológicas que acarretam a movimentação mandibular.
A dor miofascial decorrente da atividade rítmica/não rítmica do bruxismo é um importante fator predisponente da DTM e distúrbios do sono, tais como: despertares noturnos, insônia, movimentos das pernas durante o sono. Outros métodos diagnósticos constituem a polissonografia (padrão ouro), análise dos níveis de cortisol salivar e a detecção de DTM.
Conclusão
O cirurgião-dentista tem a grande possibilidade de ajudar os pacientes que apresentam algum tipo de distúrbio dentário do sono a terem um diagnóstico precoce, e, a partir deste, ter início o tratamento multidisciplinar da sua saúde. As repercussões orais dos distúrbios do sono comprometem a qualidade de vida porque, em sua maioria, apresentam algum grau de dor, fadiga e desconforto do indivíduo. Além dos problemas dentários, articulares e demais estruturas orofaciais, existe a associação com problemas de saúde mental, doenças crônicas, obesidade.
O seu estilo de vida denota a necessidade de orientar o paciente quanto à oportunidade de reeducar seus hábitos e ser tratado na sua totalidade nas áreas da ortodontia, odontologia do sono, periodontia, cirurgia buco-maxilo-facial, otorrinolaringologia, fisioterapia e fonoaudiologia.
A ortodontia melhora substancialmente o estado de saúde por ampliar a capacidade respiratória, corrigir os problemas oclusais que acentuam a intensidade da dor relatada durante o bruxismo e DTM.
Além disso, o ortodontista pode prescrever hábitos de higiene do sono, medidas para preparar o corpo e a mente para dormir bem e serem restaurados durante o sono. Confira algumas dicas fundamentais para te ajudar:
- Defina horários pontuais para dormir e acordar;
- Pratique exercícios físicos com regularidade (de preferência, até quatro horas antes de ir dormir, para evitar a estimulação do SNC);
- Prepare o ambiente: fuja de barulhos, mantenha a limpeza, organização e proporcione um quarto escuro para conseguir dormir;
- Não use a cama para trabalho: ela deve servir para o seu descanso, se afaste de preocupações, estresse!
- Use roupas confortáveis;
- Evite as telas: nada de celular, tablet, notebook, televisão ou outros aparelhos eletrônicos no mínimo uma hora antes de dormir. A luminosidade impede a ação da melatonina;
- Evite o consumo de bebidas/alimentos estimulantes (álcool, cafeína, chocolate…). Dê preferência a uma refeição leve acompanhada de suco, chá ou leite.
Sobre a autora:
Dra. Uila Ramos | @uilaramos_odontologia
CRO-PE 10.380
Graduada em Odontologia pela Universidade Federal de Pernambuco
Ortodontista formada pela Faculdade de Odontologia do Recife
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