O conhecimento detalhado da anatomia do sistema de canais radiculares é a base para o sucesso do tratamento endodôntico.
A complexidade da anatomia interna do canal radicular exige do dentista não somente a habilidade técnica, mas também domínio sobre as classificações morfológicas.
Para o sucesso dos caso clínico, é fundamental identificar as variações anatômicas, pois em um mesmo grupo dentário podem ocorrer diferenças, como por exemplo bifurcações e canais acessórios, impactando no resultado final do tratamento.
Por isso, o uso de imagens 3D, como a tomografia computadorizada de feixe cônico, auxiliam o profissional a realizar o atendimento clínico com segurança e previsibilidade.
Neste artigo, vamos abordar os sistemas de classificação da anatomia do canal radicular, com ênfase na Classificação de Vertucci (considerada como referência) e a importância dos exames de imagem no diagnóstico e tratamento odontológico.
Classificação do canal radicular
O canal radicular é preenchido por nervo, vasos sanguíneos e tecido conjuntivo, desde a câmara pulpar até o ápice radicular.
Compreender a morfologia do sistema de canais radiculares é fundamental para o planejamento, preparo químico e mecânico, evitar intercorrências durante a instrumentação (como fratura da lima endodôntica e perfuração da raiz) e promover a longevidade do tratamento endodôntico.
As principais variações do canal radicular
- Número de canais (um, dois, três ou mais);
- Curvaturas e dilacerações;
- Calcificação;
- Canal atrésico;
- Ramificações;
- Fusão radicular.
Conhecer as classificações permite que o dentista compreenda as variações anatômicas para realizar o planejamento de acordo com as características do elemento dental.
Veja como esse conhecimento se reflete na prática clínica:
1. Planejamento e diagnóstico
- Identificar a morfologia antes do tratamento;
- Considerar a presença de canais adicionais;
- Facilitar a comunicação entre dentistas;
- Evitar perfurações durante o acesso coronário;
- Identificar variações anatômicas que influenciam a instrumentação e obturação.
O conhecimento anatômico evita intercorrências durante o tratamento odontológico, além de ser a base para o planejamento das técnicas de instrumentação e obturação.
2. Instrumentação endodôntica e irrigação do canal radicular
- Orientar a escolha de instrumentos;
- Facilitar a localização todos os canais;
- Evitar perfurações e desvios durante a instrumentação;
- Minimizar risco de instrumentação incompleta;
- Escolha da técnica de irrigação;
É importante lembrar que a curvatura e a confluência dos canais influenciam diretamente a escolha do sistema rotatório, do tipo de lima e das soluções irrigadoras.
3. Obturação do canal radicular
- Escolha da técnica de obturação;
- Prevenção de complicações durante a obturação;
- Evitar falhas técnicas.
Canais que se unem, dividem ou apresentam ramificações exigem técnicas específicas de obturação, como por exemplo o uso de termoplastificação da guta-percha ou sistemas de condensação vertical.
4. Retratamento endodôntico
- Identificar canais não localizados;
- Uso de tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC).
O conhecimento sobre anatomia do conduto radicular é fundamental para mapear a possibilidade de istmos e canais acessórios, promovendo a longevidade do tratamento endodôntico.

Importância clínica da classificação dos canais radiculares
A anatomia do sistema de canais radiculares é extremamente variável. A partir da análise morfológica interna, é possível classificá-la segundo diferentes critérios, incluindo a distribuição por terços radiculares, as ramificações secundárias e a morfologia anatômica geral.
Conheça os principais sistemas de classificação:
1. Classificação por terços do canal
Esta é uma classificação didática que divide o canal radicular em três porções distintas:
- Terço cervical: Porção mais coronal, próxima à câmara pulpar;
- Terço médio: Porção intermediária do canal. Apresenta as maiores variações anatômicas, incluindo bifurcações, fusões e canais laterais;
- Terço apical: Porção mais apical do canal, próxima ao ápice da raiz. Pode apresentar istmos, forames acessórios ou múltiplos.
Essa segmentação é fundamental para orientar o planejamento da instrumentação, uma vez que a anatomia pode variar significativamente em cada terço.
2. Classificação quanto à morfologia e ramificações
- Canal principal: canal principal do dente;
- Canal colateral: corre paralelamente ao canal principal;
- Canal lateral: sai lateralmente do canal principal;
- Canal secundário: pequeno canal na região apical;
- Canal acessório: sai de um canal secundário;
- Canal interconduto: liga o canal principal ao colateral;
- Canal recorrente: sai do canal principal e retorna ao principal;
- Canais reticulares: entrelaçamento de três ou mais canais;
- Delta apical: quando múltiplos canais saem na região apical.
3. Classificação quanto a anatomia do sistema de canais radiculares
Descreve a morfologia e anatomia interna dos dentes. Há diversos sistemas de classificação anatômica, sendo a Classificação de Vertucci a mais utilizada.
Os sistemas de classificação da anatomia do canal radicular registrados na literatura são:
- Weine;
- Pineda e Kuttler;
- Green;
- Vertucci;
- Kulid e Peters;
- Gulabivala;
- Alavi;
- Sert e Bayirli;
- Ahmed.
Conheça as principais classificações quanto a anatomia do conduto:

A classificação de Weine, proposta em 1969, descreve quatro tipos básicos de configuração de canais radiculares, considerando a presença e a confluência de canais ao longo da raiz.

A seguir, vamos detalhar a Classificação de Vertucci, por ser uma das técnicas mais utilizadas e abordar as classificações criadas por Sert & Bayirli e Ahmed, que são uma extensão da classificação criada por Vertucci.
Classificação de Vertucci
A classificação criada por Frank J. Vertucci em 1984, chamada de Classificação de Vertucci, identifica oito tipos principais de características anatômicas dos canais radiculares, classificados de acordo com o número de canais e a forma como se unem ou se separam ao longo da raiz.
A incidência varia de acordo com a população estudada, porém é possível descrever as características de cada tipo e mencionar em quais dentes a incidência é maior.
Saiba mais sobre os tipos da classificação de Vertucci
É uma variação encontrada em dentes com três canais na mesma raiz.

A contribuição de Vertucci para a Odontologia foi de extrema importância por facilitar a compreensão das ramificações, fusões e divisões que podem ocorrer nos canais radiculares.
Para compreender a classificação, também sugerimos esse vídeo:
Quais as aplicações clínicas da Classificação de Vertucci?
Ao identificar o tipo de canal radicular, o dentista pode adaptar sua abordagem para maximizar a eficácia do tratamento:
- Escolha do tipo de lima endodôntica;
- Escolha da técnica de preparo químico e mecânico;
- Evitar perfurações ou desvios ao antecipar possíveis curvaturas e fusões;
- Escolha da técnica de irrigação, adaptando o volume e o método de ativação para atingir ramificações;
- Escolha da técnica de obturação, garantindo o selamento adequado para as características do caso clínico.
É importante lembrar que o sucesso do tratamento endodôntico depende da qualidade da instrumentação, irrigação e obturação do sistema de canais, sendo fundamental a compreensão das características da anatomia interna do elemento dental.
Quais as limitações da classificação de Vertucci?
Apesar de ser uma das classificações anatômicas mais utilizadas, apresenta alguns desafios e limitações:
- Não contempla variações tridimensionais complexas, como por exemplo canais com múltiplas ramificações apicais;
- Não considera canais adicionais detectados apenas por tomografia de alta resolução;
- Não considera todas as possíveis variações anatômicas que podem ocorrer;
- Aplicação da classificação em dentes com múltiplas raízes, onde cada raiz pode apresentar uma configuração de canal diferente;
- Não diferencia canais em forma de “C”.
Apesar das limitações, a classificação criada por Vertucci é utilizada como base para diversos estudos posteriores e para as adaptações mais recentes, inclusive utilizando tecnologias de imagem tridimensional.
Classificações complementares à Vertucci
Classificação de Sert & Bayirli (2004)
Os autores expandiram a classificação de Vertucci, descrevendo mais 15 variações anatômicas, totalizando 23 tipos de classificação..
Essa ampliação reflete a complexidade observada em estudos morfológicos, especialmente em dentes multirradiculares.
Apesar de sua precisão científica, a aplicação clínica dessa classificação é mais restrita, sendo mais utilizada em pesquisas.
Classificação de Ahmed et al. (2017)
Essa classificação indica um código único para o número de dentes, número de raízes (considerando qualquer divisão de raízes como duas ou mais raízes) e a configuração do canal
Um ponto importante é que dentes com a mesma configuração de canal com raízes separadas são descritos como um código único, descrevendo sua anatomia com precisão.
Para saber mais sobre as classificações criadas por Sert & Bayirli e Ahmed et al, leia o artigo
Exames de imagem na Endodontia
Os exames de imagem, principalmente a radiografia odontológica, são parte do dia a dia do dentista, pois fornecem informações importantes e que reforçam o conhecimento sobre anatomia do conduto, como por exemplo:
- Confirmação do comprimento real de trabalho (CRT);
- Presença de curvaturas;
- Reabsorção radicular externa;
- Reabsorção radicular interna.
- Proximidadede de estruturas anatômicas importantes;
- Qualidade da obturação endodôntica.
Porém, a radiografia é uma imagem bidimensional de uma estrutura tridimensional, limitando os detalhes anatômicos se comparado à exames de imagem tridimensionais, como por exemplo a tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC).
Além disso, as sobreposições anatômicas podem mascarar canais adicionais, fraturas, trincas e lesões apicais.
Tomografia computadorizada de feixe cônico na Endodontia
Com o avanço da tecnologia, a tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) tornou-se uma ferramenta de destaque no diagnóstico endodôntico, pois oferece uma imagem tridimensional, além de eliminar as sobreposições anatômicas.
A TCFC é indicada em situações em que a radiografia bidimensional não fornece informações suficientes, como:
- Identificação de canais adicionais;
- Determinação precisa da extensão de lesões periapicais;
- Diagnóstico de reabsorções internas e externas;
- Detecção de trincas e fraturas radiculares;
- Avaliação da relação entre dentes e estruturas anatômicas adjacentes;
- Localizar canais não tratados, principal causa de insucesso endodôntico;
- Monitorar a reparação periapical após o tratamento de canal;
- Detectar precocemente algumas complicações, como por exemplo o extravasamento de material obturador;
- Avaliar canais acessórios e deltas apicais;
- Analisar curvaturas tridimensionais;
- Avaliação da curvatura radicular em três planos.
O grande diferencial da TCFC é a capacidade de analisar cortes axiais, coronais e sagitais, permitindo ao profissional visualizar a anatomia do conduto, reforçando a importância da aplicação dos tipos de Vertucci no diagnóstico e tratamento endodôntico.
Essa visão tridimensional oferece um entendimento real da morfologia radicular, o que reduz falhas e aumenta o sucesso clínico, além de ser uma ferramenta importante no planejamento do retratamento endodôntico, bem como quando há necessidade de localizar instrumentos fraturados, calcificações, áreas não obturadas ou com obturação insuficiente.
É importante lembrar que a TCFC emite menos radiação que tomografia computadorizada convencional, mas pode emitir mais radiação que a radiografia odontológica, dependendo do campo de visão (FOV) e dos parâmetros do exame.
Portanto, o seu uso deve ser criterioso e baseado em justificativa clínica, conforme as diretrizes do Conselho Federal de Odontologia (CFO).
Além da TCFC, ferramentas como a radiografia digital odontológica, localizador apical, o uso de inteligência artificial (IA) na interpretação de imagens e a integração com softwares odontológicos tornam o diagnóstico ainda mais preciso.
O conhecimento das classificações tradicionais, somado ao uso dessas tecnologias, proporciona uma visão mais completa da anatomia dental, promovendo a o sucesso e longevidade do caso clínico.
Conclusão
A classificação dos canais radiculares é uma das bases da Endodontia, sendo essencial para compreender as variações anatômicas dos canais radiculares e seu impacto no tratamento odontológico.
De Weine a Ahmed, destacando a importância de Vertucci como base nas classificações que possuem a anatomia e morfologia como base, cada sistema possui beneficios e limitações.
Por isso, é fundamental o dentista conhecer as características anatômicas do canal radicular para garantir o sucesso de cada etapa do tratamento endodôntico e promover a longevidade do caso clínico.
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