A endocardite infecciosa (EI) é uma condição rara, mas grave e potencialmente fatal, que afeta o endocárdio e valvas cardíacas.
Procedimentos odontológicos invasivos, além de focos de infecção na cavidade oral, como por exemplo doença periodontal, raiz residual e cáries extensas com comprometimento pulpar, podem representar risco para essa condição, principalmente pacientes que apresentam carpiopatias.
O uso de antibioticoterapia profilática em procedimentos odontológicos invasivos é fundamental na prevenção da EI.
Por isso, é importante o dentista o compreender a fisiopatologia da endocardite infecciosa, fatores de risco e os protocolos preventivos.
Neste artigo, vamos abordar quais são as causas, sintomas, fatores de risco na Odontologia e qual a conduta clínica do profissional na prevenção da patologia.
O que é endocardite infecciosa?
É uma infecção do endocárdio e das valvas cardíacas causada por um agente infeccioso (bactérias ou fungos).
Os microorganismos também podem colonizar próteses cardíacas e dispositivos cardíacos.
Em relação à nomenclatura da patologia, o termo endocardite infecciosa é mais abrangente, pois a nomenclatura endocartite bacteriana se refere à endocardite causada exclusivamente por bactérias.
Sua fisiopatologia envolve três etapas principais:
- Bacteremia: entrada de microrganismos na corrente sanguínea, geralmente por procedimentos invasivos ou infecções locais;
- Adesão: os microorganismos patogênicos aderem ao endotélio anormal ou em próteses valvares;
- Colonização: ocorre a proliferação microbiana e inflamação tecidual.
Quando o endocárdio é colonizado por agentes patogênicos, a resposta imunológica tenta combater a infecção, o que resulta em inflamação e danos ao tecido cardíaco.
A infecção pode formar vegetações, nome dado ao acúmulo de microrganismos, células inflamatórias e fibrina, que interferem no funcionamento das valvas, levando a insuficiência cardíaca e demais complicações graves, como por exemplo obstrução, destruição valvar, embolias sépticas e insuficiência cardíaca.
A doença pode ter uma evolução aguda (rápida) ou subaguda (lenta), dependendo do agente e das condições preexistentes do coração.Em casos graves, o paciente pode evoluir para sepse e morte.
Quais microorganismos podem atingir o endocárdio?
Os patógenos infectam o endocárdio via corrente sanguínea, sendo oriundo de infecções locais, como por exemplo abcesso cutâneo, infecção urinária, inflamação gengival e materiais perfurocortantes.
Os microrganismos variam de acordo com o local da infecção, origem da bacteremia e fatores de risco do paciente, mas na grande maioria dos casos são causados por:
- Fungos;
- Estreptococos;
- Enterecococs;
- Bacilos Gram-negativoss;
- Staphylococcus aureus;
- Organismos HACEK (Haemophilus spp, Actinobacillus actinomycetemcomitans, Cardiobacterium hominis, Eikenella corrodens, e Kingella kingae).
É importante lembrar que praticamente qualquer agente pode causar a EI, embora os mais frequentes sejam bactérias gram-positivas, principalmente Staphylococcus e Streptococcus, e mais recentemente, Enterococcus.
Na Odontologia, além de várias espécies de estafilococos, sabe-se que os Streptococos viridans também impactam no desenvolvimento da endocardite, especialmente em pacientes com cardiopatias.
Para entender a gravidade da doença, é importante compreender a função das três principais camadas do coração:
- Pericárdio: camada externa do coração, composta por pericárdio fibroso (externo) e pericárdio seroso interno. O pericárdio externo é responsável por proteger o coração e o mante-lo no lugar correto no tórax. Já o pericárdio interno é responsável por lubrificar reduzir o atrito durante os batimentos cardíacos;
- Miocárdio: camada média do coração, sendo a mais espessa. É formada pelo músculo estriado cardíaco, sendo responsável pela contração cardíaca (sístole e diástole);
- Endocárdio: camada interna do coração, é coberto por tecido epitelial. É responsável por revestir as cavidades cardíacas, incluindo as câmaras (átrios e ventrículos) e as valvas cardíacas.
É importante lembrar que a patologia afeta principalmente o endocárdio, mas, quando não tratada, pode comprometer o miocárdio e o pericárdio, levando à disfunção cardíaca generalizada.
Quais as causas da endocardite infecciosa?
A EI pode afetar pessoas de todas as idades, mas certos grupos são mais vulneráveis, incluindo aqueles com valvas danificadas, dispositovos/próteses cardíacas ou histórico de endocardite.
Conheça as principais causas:
- Infecções odontológicas;
- Procedimentos odontológicos invasivos;
- Infecções que necessitam de tratamento médico;
- Procedimentos médicos invasivos;
- Instrumentos perfurocortantes contaminados;
- Uso de drogas injetáveis.
Essas situações aumentam a probabilidade dos microorganismos entrarem na corrente sanguínea e se alojarem no endocárdio.
Os principais fatores de risco para a endocardite infecciosa são:
- Histórico de endocardite;
- Histórico de febre reumática;
- Cardiopatia congênita;
- Valvopatia reumática;
- Valvas aórticas bivalvulares calcificadas ou bicúspides;
- Prolapso da valva mitral;
- Cardimiopatia hipertrofia;
- Defeitos do septo interventricular;
- Persistência do canal arterial.
Além dessas, outras comorbidades aumentam o risco de EI, como por exemplo diabetes, doença pulmonar crônica, doença hepática crônica, câncer (com destaque para câncer colorretal e urogenital) e doença periodontal.
A conscientização sobre causas e fatores de risco é de extrema importância para os dentistas, pois infecções odontológicas e procedimentos invasivos podem facilitar a entrada de bactérias na corrente sanguínea, aumentando o risco de desenvolvimento de endocardite em pacientes suscetíveis.
Quais são os sintomas da endocardite infecciosa?
Os sinais e sintomas podem variar amplamente, dependendo da gravidade da infecção e da saúde geral do paciente.
Os sinais iniciais podem ser sutis e facilmente confundidos com outras condições menos graves, o que pode atrasar o diagnóstico e o tratamento.
Conheça os principais sintomas da endocardite infecciosa:
- Febre;
- Fadiga;
- Calafrios;
- Sudorese noturna;
- Perda de apetite;
- Perda de peso;
- Dores articulares e musculares;
- Manchas na pele;
- Confusão mental;
- Dificuldade de fala;
- Convulsão;
- Acidente vascular cerebral (AVC);
- Isquemia transitória;
- Sopro;
- Insuficiência cardíaca;
- Petéquias;
- Nódulos subcutâneos eritematosos dolorosos nas pontas dos dedos;
- Pápulas ou máculas hemorrágicas indolores na palma das mãos ou na planta dos pés;
- Hemorragias longitudinais subungueais sob as unhas;
- Embolia;
- Dor no peito;
- Tosse persistente;
- Edema nas extremidades.
A presença de sintomas graves exige intervenção médica imediata. Portanto, os dentistas devem estar atentos a esses sinais e sintomas, especialmente em pacientes com histórico de doenças cardíacas ou outros fatores de risco.
Diagnóstico da endocardite infecciosa
O diagnóstico é um processo complexo que deve ser realizado por um médico e envolve uma combinação de avaliação clínica, exames laboratoriais e exames de imagem, sendo eles:
- Exame de sangue laboratoriais;
- Ecocardiograma;
- Eletrocardiograma
- Radiografia do tórax;
- Tomografia computadorizada.
Juntos, esses exames ajudam a confirmar o diagnóstico e a avaliar a extensão do dano cardíaco, para o médico realizar o tratamento.
Para realizar o diagnóstico, os seguintes pontos são importantes:
- Histórico médico;
- Exame físico;
- Presença de sopro cardíaco;
- Hemocultura;
- Resultado do PCR e VHS;
- Resultado dos exames laboratoriais;
- Resultados dos exames de imagem;
- Conjunto de sinais e sintomas.
É importante dizer, que além da endocardite infecciosa, pode ocorrer a endocardite não infecciosa, causada por trauma físico ao coração, reações autoimunes ou substâncias químicas, gerando a formação de trombos estéreis de fibrina e plaqueta nas valvas cardíacas e endocárdio adjacente.
Endocardite infecciosa e Odontologia
A relação entre procedimentos odontológicos e EI é comprovada pela literatura, citando intervenções odontológicas associadas ao risco aumentado de bacteremia, pois procedimentos invasivos podem facilitar a entrada de microorganismos na corrente sanguínea.
Além disso, a presença de focos de infecção na cavidade oral, como por exemplo doença periodontal e a presença de raiz residual também aumentam o risco de endocardite infecciosa, devido ao sangramento espontâneo ou causado pela escovação, pois o tecido está inflamado.
A manutenção de uma boa higiene bucal é fundamental para promover a saúde sistêmica.
Quais pacientes são considerados com risco de bacteremia odontogênica?
São considerados com alto risco os pacientes com os seguintes perfis:
- Portadores de próteses cardíacas;
- Portadores de comorbidades;
- Cardiopatia adquirida;
- Cardiopatia congênita;
- Receptores de transplante cardíaco que desenvolveram valvopatia;
- Histórico de febre reumática;
- Histórico de qualquer tipo de endocardite.
Esses pacientes requerem profilaxia antibiótica obrigatória antes de determinados procedimentos odontológicos invasivos.
Quais procedimentos odontológicos apresentam risco de bacteremia?
Os dentistas desempenham um papel fundamental na prevenção da EI. Os principais procedimentos que apresentam risco de bacteremia são:
- Exodontia;
- Biópsia;
- Frenectomia;
- Frenotomia;
- Cirurgia periodontal;
- Raspagem e alisamento radicular;
- Instalação de implantes dentários;
- Cáries profundas com comprometimento pulpar;
- Tratamento endodôntico;
- Anestesia em tecido infectado.
Além da profilaxia antibiótica, é importante que os dentistas sigam práticas rigorosas de controle de infecção em seus consultórios, incluindo a esterilização adequada de instrumentos e o uso de técnicas assépticas.
Quais procedimentos odontológicos não apresentam risco de bacteremia?
Todos os procedimentos que não são invasivos ou procedimentos invasivos que não possuem risco de sangramento, como por exemplo:
- Restaurações diretas;
- Restauração indireta;
- Moldagem;
- Profilaxia dental;
- Tomadas radiográficas;
- Anestesia em tecido saudável.
Lembrando que esses procedimentos não representam risco desde que o paciente não tenha foco infeccioso na cavidade oral.
A importância da anamnese odontológica na prevenção da endocardite bacteriana
A anamnese odontológica é uma ferramenta fundamental para identificar os sinais e sintomas de uma endocardite infeciosa já existente, bem como na prevenção da patologia.
Durante a anamnese, é essencial que os dentistas façam perguntas detalhadas sobre o histórico médico, histórico de doenças cardíacas, histórico de cirurgias cardíacas e medicamentos de uso contínuo.
Segue um checklist de perguntas específicas para identificar pacientes que apresentam riscos:
A) Histórico cardiovascular e alto risco
- Possui doença cardíaca diagnosticada?
- Tem doença cardíaca congênita?
- Apresenta sopro cardíaco?
- Já realizou cirurgia cardíaca?
- Possui prótese ou dispositivos cardíacos?
- Já teve endocardite infecciosa?
- Possui histórico de febre reumática?
- Tem diagnóstico de doença sistêmica?
- Realizou transplante cardíaco?
B) Medicamentos e condição sistêmica
- Quais medicamentos usa regularmente (anticoagulantes, imunossupressores etc.)?
- Possui histórico de infecções sistêmicas recorrentes ou internações prolongadas?
C) Sinais de alerta atuais
- Teve febre inexplicada, fadiga extrema ou perda de peso recente?
- Apresenta sangramento gengival persistente ou infecções orais recorrentes?
A conscientização sobre os riscos associados aos procedimentos odontológicos é fundamental para a seguranças de dentistas e pacientes.
O profissional deve informar sobre a importância de manter a saúde bucal e seguir as recomendações de profilaxia antibiótica quando indicado.
Quando encaminhar o paciente odontológico ao cardiologista?
Encaminhe imediatamente em casos de:
- Febre persistente sem causa aparente;
- Fadiga intensa e inexplicada;
- Fatores de risco identificados na anamnese.
A colaboração interdisciplinar entre o dentista e cardiologista é fundamental para a prevenção da bacteremia, reduzir a incidência e para o manejo eficaz da patologia cardíaca.
Prevenção da endocardite infecciosa
A prevenção da condição em pacientes odontológicos envolve diversas medidas, com o por exemplo a higiene bucal, visitas regulares ao dentista e antibiotocoterapia profilática antes de procedimentos invasivos considerados de risco, para a reduzir a carga bacteriana na cavidade oral e, consequentemente, o risco de bacteremia.
Além disso, é importante que os dentistas sigam práticas rigorosas de controle de infecção em seus consultórios, incluindo a assepsia do paciente e a esterilização adequada dos instrumentais.
Qual a conduta odontológica em pacientes de risco?
- Atuação multidisciplinar com o médico responsável pelo paciente;
- Tratar previamente qualquer foco infeccioso ativo;
- Priorizar o controle da saúde periodontal;
- Orientação sobre higiene oral;
- Planejar consultas curtas e monitorar sinais vitais;
- Registrar detalhadamente o protocolo de profilaxia adotado.
- avaliação cuidadosa do histórico médico é fundamental para identificar os pacientes que possuem risco aumentado de EI.
- A profilaxia antibiótica na Odontologia é realizada para prevenir a entrada de microorganismos na corrente sanguínea.
- Atualização profissional sobre as diretrizes de prevenção da EI é fundamental para garantir a segurança dos pacientes e promover o sucesso do caso clínico.
Diretrizes de profilaxia antibiótica para procedimentos odontológicos
As diretrizes de profilaxia antibiótica na Odontologia são elaboradas para prevenir a endocardite infecciosa em pacientes considerados de risco e são baseadas nas recomendações de organizações como a American Heart Association (AHA), Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) e a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
Segue o resumo das diretrizes:
Fonte | Recomendação principal |
ESC | Profilaxia apenas para alto risco |
AHA | Profilaxia para risco moderado e alto risco |
SBC | Profilaxia para médio e alto risco, além da avaliação conjunta com cardiologista. |
É importante lembrar que as recomendações não consensuais entre os países. A América Latina, incluindo o Brasil, permanece conservadora, sendo importante respeitar as recomendações locais para evitar implicações legais.
Para ver as recomendações e diretrizes completas, acesse estes links:
Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC)
Artigo da SBC sobre Endocardite Infecciosa
American Dental Association (ADA)
Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC)
A seguir, um resumo do protocolo antibiótico preconizado no Brasil, para pacientes adultos sendo fundamental avaliar o histórico de alergias do paciente:
Medicamento | Dose recomendada (adultos) | Via de administração | Tempo antes do procedimento |
Amoxicilina | 2 g | Oral | 30 a 60 min |
Clindamicina | 600 mg | Oral | 30 a 60 min |
Azitromicina | 500 mg | Oral | 30 a 60 min |
Cefalexina | 2 g | Oral | 30 a 60 min |
Importante: não se automedique, procure um cirurgião dentista da sua confiança!
A adesão à essas diretrizes ajuda a minimizar o risco de EI em pacientes vulneráveis e garante que os procedimentos odontológicos sejam realizados de maneira segura.
Como todo fármaco, a dose deve ser adequada de acordo com o peso do paciente.
Qual o tratamento para endocardite infecciosa?
O objetivo do tratamento é erradicar a infecção para não agravar o quadro clínico, além de prevenir danos permanentes ao coração e a saúde sistêmica.
Os tratamentos indicados para a EI são:
- Antibioticoterapia: o antibiótico e duração do tratamento variam de acordo com a gravidade do caso e tipo de microorganismo, geralmente administrados por via intravenosa, podendo durar semanas ou meses;
- Cirurgia: indicada para reparar reparar ou substituir válvulas cardíacas danificadas pela infecção, drenar abscessos ou remover tecido infectado.
É fundamental que os dentistas e estudantes de Odontologia estejam atualizados sobre os protocolo para prevenção da EI na prática clínica.
O domínio da conduta compreende em identificar pacientes de risco e justificar suas decisões de com base em diretrizes.
Conclusão
Os dentistas desempenham um papel importante na prevenção da EI, por meio da identificação de focos infecciosos na cavidade oral, educação sobre a importância da higiene bucal, anamnese detalhada e medidas profiláticas.
Por isso, é fundamental o profissional conhecer as causas, fatores de risco, sintomas e como realizar a profilaxia antibiótica em pacientes do grupo de risco, para garantir a segurança do paciente.
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