As lesões cervicais não cariosas (LCNCs) são caracterizadas pela perda gradual de esmalte, dentina ou cemento do elemento dental, devido à associação de fatores sem o envolvimento de bactérias.
Diferente das lesões cariosas, que envolvem destruição tecidual mediada por microrganismos, as LCNCs resultam de fatores físicos, químicos e/ou biomecânicos que causam a perda de estrutura dentária na região cervical, próxima à junção amelo-cementária.
É uma condição que interfere na qualidade de vida do paciente, pois além da sensibilidade dentinária, pode impactar na estética e função mastigatória.
Por isso, é fundamental o dentista e o estudante de Odontologia compreender sobre as forças oclusais, pH salivar, hábitos e dieta do paciente, para realizar o manejo e promover a longevidade do dente afetado.
Neste artigo, vamos abordar a etiologia, classificação das lesões e como o profissional realiza o diagnóstico diferencial para realizar o tratamento adequado.
O que é lesão cervical não cariosa?
As lesões cervicais não cariosas (LCNCs) são perdas patológicas de tecido mineralizado (esmalte, dentina ou cemento), sem a presença de cárie dentária como causa direta.
Em relação aos aspectos clínicos, as lesões podem se manifestar como defeitos em forma de cunha, superfícies arredondadas, desgaste plano ou irregularidades marginais.
As LCNCs podem causar
- Hipersensibilidade dentinária;
- Retração gengival;
- Comprometimento estético devido ao desgate tecidual;
- Interferir na função mastigatória;
- Redução da dimensão vertical de oclusão (DVO);
- Trincas no elemento dental, aumentando o risco de fraturas;
- DTM;
- Dor orofacial;
- Calcificação do canal radicular;
- Necrose pulpar;
- Dificuldade de adaptação de restaurações e risco de infiltração marginal.
Por isso, é fundamental o dentista realizar o diagnóstico precoce o para preservar a integridade dos tecidos e evitar o avanço da lesão.
Etiologia das lesões cervicais não cariosas
Diferente das lesões cariosas, a LCNC está relacionada à causas extrínsecas e/ou intrínsecas, como fatores mecânicos, químicos, oclusais ou funcionais. A etiologia é multifatorial e podem ocorrer em qualquer idade.
Em relação aos aspectos clínicos, as LCNCs variam de cavidades rasas até cavidades profundas, com formato de discos grandes ou cônico e a superfície pode apresentar forma plana, lisa, brilhante ou inclinada.
Conheça as principais causas das lesões cervicais não cariosas:
- Maloclusão;
- Buxismo;
- Escova dental com cerdas duras causando retração gengival;
- Dentifrícios abrasivos;
- Alimentação rica em alimentos ácidos;
- Refluxo gástrico;
- pH salivar alterado;
- Hábito de colocar objetos entre os dentes;
- Clareamento dental sem supervisão profissional.
Em relação à localização, as lesões não cariosas podem ser:
- Cervicais;
- Incisais;
- Oclusais;
- Vestibulares;
- Palatinas.
Quando localizada na região cervical, é chamada de lesão cervical não cariosa.
Sobre a incidência, ocorre mais na região cervical da face vestibular de pré-molares e molares, por causa da biomecânica e da constrição cervical, gerando maior estresse nessa região.
É importante lembrar que a progressão da lesão depende de fatores como localização, frequência do estímulo, e duração das forças oclusais, além dos fatores de biocorrosão causado por alteração do pH salivar ou doenças gástricas.
Classificação das lesões cervicais não cariosas
A literatura divide as LCNCs em quatro principais tipos de acordo com o fator etiológico predominante. Embora cada uma tenha características próprias, é comum que o paciente apresente mecanismos combinados, podendo apresentar mais de um tipo de lesão

Conheça os tipos de lesão não cariosa:
1. Abfração
É uma lesão resultante de forças biomecânicas que produzem tensões concentradas na região cervical do dente, causando flexão dentária e consequente fadiga de esmalte e dentina, resultando na perda de tecido.
Características clínicas:
- Lesões em formato de cunha ou “V”;
- Margens em ângulos bem definidos;
- Lesão localizada próxima à junção amelo-cementária;
- Limitadas à região cervical;
- Podem acontecer isoladamente ou em vários dentes;
- Associadas à recessão gengival;
- Geralmente na face vestibular e em dentes posteriores.
Causas da abfração:
- Bruxismo;
- DTM;
- Má distribuição da força oclusal;
- Tensões concentradas abaixo de restaurações de amálgama de prata (preparo MOD);
2. Abrasão
Ocorre pela fricção mecânica repetitiva de objetos ou substâncias abrasivas sobre a superfície dentária.
Características clínicas:
- Superfícies lisas e polidas;
- Desgaste com formato de sulco ou depressão;
- Margens arredondadas;
- Presença de desgaste compatível com a trajetória da escova;
- Além da cervical, também pode ocorrer na região proximal.
Causas da abrasão dentária:
- Escova de dente com cerdas duras;
- Dentifrício abrasivo;
- Grampo de prótese parcial removível (PPR);
- Palito de dentes;
- Hábitos parafuncionais.
3. Erosão
Lesão que apresenta origem química, ocorrendo pela exposição prolongada a ácidos não bacterianos. Esses ácidos podem ser intrínsecos ou extrínsecos:
- Causas intrínsecas da abrasão: refluxo gastroesofágico, vômitos, bulimia, alteração do pH salivar;
- Causas extrínsecas da abrasão: álcool, isotônicos, bebidas e alimentos cítricos, refrigerante, vinagre e medicamentos ácidos.
Características clínicas:
- Superfícies côncavas e brilhantes;
- Lesão lisa e arredondada;
- Esmalte fino, translúcido;
- Perda uniforme da estrutura.
Causas da erosão dentária:
- Hábitos alimentares;
- Distúrbios gástricos;
- Radioterapia;
- Disfunção de glândulas salivares;
- Medicamentos ácidos;
- Uso de drogas.
4. Atrição
Lesão que ocorre pelo contato direto entre dentes antagonistas, levando ao desgaste progressivo das superfícies oclusais e incisais, podendo também afetar a região cervical em casos de compensação funcional.
Características clínicas:
- Desgaste plano e polido;
- Maior incidência em ponta de cúspide e bordas incisais;
- Redução da altura coronária;
- Exposição de dentina secundária;
- Pode estar associada a dor muscular e zumbido no ouvido.
Causas da atrição dentária:
- Bruxismo;
- Maloclusão;
- Envelhecimento fisiológico.
Padrões de desgaste na atrição:
- Interferência oclusal: desgaste isolado;
- Bruxismo: desgaste progressivo em canino;
- Hábito parafuncional ou edentulismo parcial: desgaste generalizado.

Embora a etiologia das LCNCs seja multifatorial, a literatura reforça o papel das tensões oclusais cíclicas na formação de microfraturas no esmalte cervical, favorecendo a perda progressiva de estrutura, resultando na abfração.[Quebra da Disposição de Texto]Entretanto, abrasão (origem mecânica), erosão ( origem química) e atrição (origem pelo contato dente a dente) frequentemente coexistem, tornando o diagnóstico diferencial essencial.
É importante lembrar que por causa das diferenças, características e complexidades de cada lesão, é fundamental que dentista, ao realizar o diagnóstico, identifique os possíveis fatores etnológicos, pois um único paciente pode apresentar mais de um tipo de LCNC.
O diagnóstico precoce é fundamental na prevenção do comprometimento estético e funcional, da sensibilidade dental, na necessidade de tratamento endodôntico, na ocorrência de novas lesões em outros dentes ou perda do dente já lesionado devido à trincas e/ou fraturas.
Além disso, o paciente pode apresentar dificuldade na higiene oral por causa da sensibilidade dentinária, favorecendo o acúmulo de biofilme na região da lesão e resultando na formação da doença cárie na área que perdeu tecido mineralizado.
👉 Para saber mais sobre as características e etiologia das LCNCs, leia: LESÕES CERVICAIS NÃO CARIOSAS: CARACTERÍSTICAS E POSSÍVEIS FATORES CAUSAIS
Diagnóstico e tratamento das lesões cervicais não cariosas
O diagnóstico das LCNCs exige anamnese detalhada, exame clínico minucioso e, quando necessário, exames complementares, como radiografias periapicais e escaneamento intraoral.
Quais são os sintomas das lesões cervicais não cariosas?
Os principais sintomas das LCNCs são:
- Desgaste de tecido mineralizado: esmalte, dentina ou cemento;
- Alteração de forma do elemento dental;
- Sensibilidade dentinária;
- Dor espontânea.
Os sintomas podem variar de acordo com o tipo e a severidade da lesão, bem como estar associado à outras características clínicas, com o por exemplo dor muscular e perda de DVO, sendo fundamental o diagnóstico precoce para preservação do dente.
Para o diagnóstico das lesões cervicais não cariosas, são necessários os seguintes passos:
1. Anamnese odontológica
Perguntas sobre hábitos alimentares, técnicas de escovação, estresse, refluxo gástrico e uso de medicamentos ácidossão essenciais.
É importante investigar sintomas como sensibilidade térmica, dor ao toque e desconforto mastigatório.
Dicas de perguntas para a anamnese:
- Como é a rotina alimentar?
- Já realizou tratamento ortodôntico?
- Range ou aperta os dentes?
- Possui algum distúrbio gástrico?
- Pratica atividade física como atleta amador ou profissional?
- Utiliza substâncias ilícitas?
- Faz tratamento para alguma doença sistêmica?
- Utiliza medicamentos de uso contínuo?
Perfil do paciente com risco de desenvolver lesões não cariosas:
- Paciente que realizou tratamento ortodôntico;
- Pacientes bariátricos;
- Pacientes com quadro de refluxo esofágico;
- Uso frequente de isotônicos e bebidas ácidas;
- Ingestão de água com limão em jejum;
- Uso de dentifrício clareador, devido ao poder abrasivo
- Medicamentos de uso contínuo;
- Diagnóstico de bruxismo ou apertamento dental.
2. Exame clínico odontológico
Antes de iniciar o exame clínico, é fundamental que a superfície dental esteja limpa, seca e sob boa iluminação, para facilitar o diagnóstico das lesões.
Cada tipo de lesão pode envolver diferentes métodos e técnicas que auxiliam no diagnóstico:
- Oclusão e restaurações indiretas em dentes antagonistas: indicativo para atrição;
- Esmalte sem brilho: indicativo para erosão;
- Lesão côncava na cervical: indicativo de abrasão;
- Lesão cervical com formato de cunha e borda angulada: indicativo de abfração.
Ao examinar o paciente, é fundamental o dentista observar a morfologia da lesão, localização, profundidade, coloração e presença de retração gengival.
Para facilitar a identificação das características da lesão, é importante utilizar sonda exploradora e ter uma iluminação adequada da cavidade oral.
3. Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial deve excluir condições como:
- Recessão gengival;
- Cárie cervical;
- Lesões radiculares cariosas associadas à recessão gengival;
- Fissuras traumáticas;
- Saber diferenciar os tipos de LCNCs.
É importante lembrar que na recessão gengival, a margem da gengiva está deslocada, porém sem perda de estrutura dentária (esmalte, dentina ou cemento).
4. Exames complementares
A radiografia periapical é importante para avaliar se não houve comprometimento pulpar e/ou periodontal.
O uso de escaneamento intraoral permite acompanhar a progressão das lesões e avaliar o resultado do tratamento.
A análise oclusal computadorizada é indicada para investigar possíveis pontos de interferência causadores de abfrações.
Tratamento das lesões cervicais não cariosas
O tratamento das LCNCs deve ser personalizado, levando em conta o tipo de lesão, a etiologia predominante e a presença de sensibilidade ou comprometimento estético.
A abordagem pode incluir medidas preventivas, restauradoras e até cirúrgicas.
1. Tratamento conservador
- Educação do paciente sobre higiene oral;
- Orientação sobre alimentação;
- Uso de dentifrícios dessensibilizantes;
- Terapia obliteradora;
- Controle do bruxismo;
- Realizar análises do fluxo e pH salivar;
- Monitoramento do paciente.
2. Tratamento restaurador
É indicado nos seguintes casos:
- Sensibilidade persistente;
- Comprometimento estético;
- Comprometimento da função;
- Exposição dentinária extensa;
- Risco de fratura coronária.
Materiais restauradores indicados:
- Adesivo autocondicionante;
- Resina composta nanoparticulada;
- Cimento de ionômero de vidro;
- Cimento de ionômero de vidro modificado por resina.
A seleção do material deve considerar a etiologia da lesão, pois restaurações muito rígidas podem falhar por fadiga adesiva em áreas de abfração.
3. Tratamentos cirúrgicos
Em casos de retração gengival associada à lesão cervical não cariosa, pode-se indicar o recobrimento radicular com enxerto, para restaurar a harmonia gengival e proteger a interface restauração/tecido.
Para saber mais sobre a relação sobre LCNC e Periodontia: Lesões cervicais não cariosas e recessões gengivais
4. Estabilizar a oclusão
O dentista deve avaliar a necessidade de:
- Tratamento ortodôntico;
- Ajuste oclusal;
- Uso de placas miorrelaxantes.
Além dessas alternativas, indicado para qualquer lesão, seguem os tratamentos específicos para cada classificação:
Para o auxílio do plano de tratamento, pode ser utilizado o índice de desgaste, que apresenta cinco níveis, com números de 0 a 4 (Lessa, 2019), conforme quadro abaixo:
Segue também a sugestão protocolo de tratamento elaborada por Machado et al, 2017:
O diagnóstico correto é fundamental para realizar a prevenção e tratamento da lesão, promovendo o sucesso do caso clínico e a longevidade do elemento dental.
O prognóstico vai depender do tipo e profundidade da lesão, remoção dos fatores etnológicos e mudança de hábitos do paciente.
Como prevenir as lesões cervicais não cariosas?
A prevenção das LCNC apresenta os seguintes passos:
- Orientação sobre higiene oral;
- Educação do paciente sobre os fatores etnológicos da lesão não cariosa;
- Mudança de hábitos;
- Controle da dieta;
- Correção da maloclusão;
- Ajuste oclusal;
- Avaliar a necessidade do uso de placas miorrelaxantes;
- Monitoramento do paciente.
Essas medidas são fundamentais para evitar a progressão da lesão, preservar a estrutura dental e evitar complicações que comprometam a saúde bucal.
FAQ – Dúvidas comuns sobre Lesões Cervicais Não Cariosas
1. Há relação entre LCNC e retração gengival?
Sim. A perda de estrutura cervical pode favorecer o deslocamento gengival, bem como a perda do tecido gengival expõe o tecido mineralizado, aumentando a probabilidade do desenvolvimento de LCNC.
2. As LCNCs precisam ser restauradas?
Nem sempre. Lesões pequenas e assintomáticas podem ser apenas monitoradas e controladas com medidas preventivas. O procedimento restaurador é indicado quando há sensibilidade, comprometimento estético ou risco de progressão da lesão.
3. As restaurações cervicais costumam ter boa durabilidade?
Sim, desde que sejam realizadas com materiais adequados e técnicas adesivas corretas. Contudo, a longevidade depende também do controle do fator etiológico, incluindo ajuste oclusal e mudança de hábitos pelo hábitos do paciente.
4. A sensibilidade cervical desaparece após o tratamento restaurador?
Geralmente, sim, pois a restauração adesiva contribui para o selamento dos túbulos dentinários. Em alguns casos, pode ser necessário o ajuste oclusal ou realizar tratamento para bruxismo.
5. As LCNCs podem evoluir para fraturas?
Sim. Em casos de trincas ou abfração severa, a tensão oclusal pode comprometer a integridade da coroa clínica, levando à fratura marginal ou falha restauradora.
Para saber mais sobre as lesões não cariosas, assista esta aula do prof. Paulo Vinícius Soares, autor ode diversos artigos e livros sobre o tema:
Conclusão
As lesões cervicais não cariosas (LCNCs) apresentam etiologia multifatorial e representam um desafio clínico complexo.
Por isso é fundamental o dentista compreender a relação entre forças oclusais, maloclusão, disfunção de ATM, hábitos, dieta e doenças sistêmicas para realizar um diagnóstico preciso e promover o sucesso do caso clínico.
A abordagem multidisciplinar e integrada, combinando prevenção, mudança de hábitos, controle oclusal e atendimento odontológico integrando Dentística, Periodontia, Prótese Dentária, Ortodontia e Endodontia é de extrema importância para estabelecer a saúde bucal, bem como a estética e a função.
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