A obturação endodôntica é responsável pelo selamento tridimensional do sistema de canais radiculares, sendo realizada após a remoção do tecido pulpar, desinfecção e preparo do conduto.
A finalidade da obturação na Endodontia é preencher permanentemente o espaço anteriormente ocupado pela polpa radicular com materiais inertes e antissépticos, que promovam um selamento de forma a eliminar qualquer comunicação com o meio externo via oclusal, apical ou sistema de canais radiculares e, de preferência estimulando e não interferindo no processo de reparo apical e periapical.
Ao longo dos anos, devido à inovação e tecnologia na Odontologia, os métodos de obturação endodôntica evoluíram significativamente, apresentando novos intrumentais e materiais para obturação do conduto radicular, com o objetivo de otimizar as etapas do tratamento endodôntico e promover o sucesso do caso clínico e a longevidade do mesmo.
Neste artigo, vamos abordar as principais técnicas de obturação em Endodontia, indicações clínicas e quais são os passos da obturação endodôntica realizados em cada procedimento.
Objetivos da obturação endodôntica
O objetivo da obturação em Endodontia é selar toda a extensão da cavidade endodôntica, desde a abertura coronária até o término apical, impedindo a migração de microrganismos do canal radicular para o periápice( e/ou vice versa ) e manter a limpeza do canal radicular, proporcionando condições para o processo de reparação tecidual.
A obturação e selamento do conduto é obtida por meio da utilização de cone de guta-percha e do cimento endodôntico.
Além do selamento, o material obturador deve ser biocompatível, inerte e permitir o preenchimento tridimensional dos canais principais e acessórios.
O momento oportuno para fazer a obturação dos canais radiculares deve ser avaliado criteriosamente. Alguns requisitos básicos devem ser preenchidos como:
- Os canais devem estar corretamente limpos e modelados;
- Ausência de exsudação persistente (canal seco);
- Canal seco após o preparo químico mecânico;
- Ausência de sintomatologia (dor) espontânea ou provocada
- Ausência de odor
- Ausência de mobilidade (relativo)
- Ausência de edema
Importante lembrar também que o dente modelado não deve ficar aberto na cavidade bucal por rompimento da restauração provisória.
Antes de obturar o canal radicular, é importante remover o smear layer e realizar a irrigação final com soro, por exemplo. Após isso, você pode usar a capillary tips (Ultradent) para remover o excesso de líquido irrigante do canal e depois cone de papel em células (cell-pack) que já vem esterilizados (figura 2).

Para inserir a guta-percha no interior dos canais é importante realizar a desinfecção do cone, seja com hipoclorito de sódio ou clorexidina. Obviamente todos os procedimentos devem ser feitos com isolamento absoluto, desde o acesso endodôntico até a restauração final do dente.
O tradicional preenchimento do canal radicular compreende a associação de um cone de guta-percha principal mais cones acessórios combinados com um cimento endodôntico para preencher os espaços entre os cones de guta-percha e a parede dentinária.
Em casos com ápices abertos, ou grandes reabsorções apicais, você pode fazer um tampão apical com algum cimento biocerâmico reparador, para em seguida continuar a obturação com guta-percha e cimento.
Basicamente na maioria das técnicas de obturação, precisamos selecionar um cone principal que é baseado no tip (ponta) do último instrumento utilizado no comprimento de trabalho.
Você deve observar o travamento do cone (1 a 2 mm aquém do comprimento real do canal) e indicamos a conometria (que é a radiografia de prova do cone).
Hoje em dia, por causa da conicidade variada dos instrumentos que usamos para modelagem dos canais, usamos cones com várias conicidades, o que nos proporciona maior praticidade para obturar os canais e por vezes, conseguirmos obturar um canal com um único cone.
Quando você não tiver um cone específico para travar na região apical, você pode utilizar a régua endodôntica calibradora e uma lâmina de bisturi número 15, para ajustar o cone (figura 1).

A obturação pode ser executada em sessão única ou múltiplas sessões e quem determinará a conduta é a situação real e individual que o dente se encontra.
A seguir, vamos abordar as principais técnicas de obturação do canal radicular, indicação clínica, vantagens, desvantagens e quais são materiais para obturação endodôntica utilizados em cada técnica.
Obturação endodôntica – Técnica de condensação lateral
A condensação lateral é a técnica mais popular de obturação tanto na prática clínica quanto no ensino acadêmico, na maioria das instituições.
- Indicações: pode ser utilizada na maioria das situações. As exceções são os canais severamente curvos ou com anormalidades de forma ou irregularidades como reabsorções internas. Entretanto, essa técnica pode ser combinada com outras técnicas, como por exemplo a condensação vertical;
- Vantagens: técnica relativamente simples, requer poucos materiais (espaçadores e compactadores) e existe um controle no comprimento da obturação;
- Desvantagens: não forma uma massa homogênea e podem ocorrer fraturas radiculares verticais devido a força exacerbada na inserção dos espaçadores.
Descrição da técnica:
1. Seleção do espaçador e do Calcador
A seleção e teste devem ser realizados durante a limpeza e modelagem do canal.
Encontramos no mercado 4 espaçadores digitais e listaremos a seguir o tip (ponta) e taper (conicidades) de cada um deles (figura 3).
A (20.02)
B (20.03)
C (30.05)
D (35.06)

Algumas escolas substituem o espaçador digital por limas K30 ou K25 de aço inoxidável com comprimento de 21 mm.
Também podem ser usados espaçadores com a ativação ultrassônica ou até mesmo espaçadores cônicos de NiTi.
2. Assentar o cone principal com o cimento obturador, após a secagem final do canal.
O cone deve ser escolhido baseado no último instrumento utilizado para modelagem do canal até o comprimento de obturação (CRD -1mm ou -2mm).
Esse cone principal deve apresentar uma resistência quando removido intencionalmente (travamento do cone).
Indica-se realizar a radiografia da prova do cone. Você também pode levar o cimento às paredes do canal antes de inserir o cone principal.
3. Abrir espaço com os espaçadores ou limas 1 a 2 mm do CT, realizando movimento oscilatório de curta amplitude de forma gentil (figura 4).

A conicidade do espaçador ou lima exerce uma força mecânica que condensa lateralmente a guta-percha, criando o espaço para um cone acessório adicional.
Cuidado com a pressão, deslocamento da obturação e fratura vertical da raiz.
4. Inserção de cones acessórios com cimento imediatamente após a remoção dos espaçadores ou limas.
5. Abrir espaço novamente e repetir até que os cones acessórios estejam entrando até o terço cervical.
Evitar movimentos de rotação no sentido horário. Remover com movimentos de rotação no sentido anti-horário.
6. Radiografia para controle de obturação.
7. Cortar a obturação no nível da embocadura dos canais com condensador aquecido, movimento único, 1 mm abaixo do acesso do canal e em dentes anteriores: na mesma altura ou 1 mm abaixo da margem gengival.
8. Condensação vertical/Compactação: compressão por 3 minutos.
9. Limpeza da câmara pulpar, de acordo com o cimento utilizado, o que pode ser com água, álcool ou acetato de amila.
10. Selamento da cavidade.
Encontre todos os materiais necessários para a técnica de condensação lateral em nossa seção de Endodontia.
Obturação endodôntica – Técnica hibrida de Tagger
A técnica híbrida desenvolvida por Tagger combina elementos da condensação lateral com a termoplastificação da guta-percha, unindo a segurança e o controle da técnica de condensação lateral com a capacidade de preenchimento tridimensional do aquecimento do cone.
É indicada para canais com anatomia moderadamente complexa, como canais curvos ou com presença de istmos e ramificações
Nesta técnica, depois da condensação são utilizados compactadores de MCSpadden para fazer a termoplastificação da guta-percha.
Os compactadores de MCSpadden podem ser encontrados nos calibres de 25 a 140 e podem ser de 21 a 25 mm. O design dos compactadores é parecido com uma lima Hedstroen invertida (figura 5).

Descrição da técnica:
- Seleção do cone principal
- Secagem do canal
- Assentamento do cone principal mais cimento
- Técnica da condensação lateral (com 2 ou 3 cones secundários): Espaçador + cones acessórios
- Radiografia
- Usar o compactador de McSapdden de 2 a 3 numerações acima do DC (Diametro cirúrgico) – trabalhar somente terço cervical e médio – a 4 mm do CT (ou até a curvatura) em sentido horário.
Os compactadores de Mcspadden podem ser encontrados em aço inoxidável ou em níquel titânio.
A MCSpadden deve ser inserida no contra-ângulo do seu equipo.Você deve introduzir no canal até encontrar resistência.
O próximo passo é segurar firme o contra-ângulo, acioná-lo entre 8000 a 12000 RPM, manter em posição por 3-4 segundos, pressionar em direção apical até 4-5mm do batente, manter por 1 segundo para aliviar a pressão permitindo a saída suave do compactador, retirar tocando uma parede, compactar verticalmente a guta-percha amolecida e radiografia comprobatória.
7. Remoção do excesso com instrumento aquecido, limpeza e blindagem da câmara pulpar.
8. Se houver necessidade de correção: plastificar novamente a guta-percha, abrir espaço lateral na massa obturadora. Colocar mais 1 ou 2 cones acessórios, escolher um compactador de calibre maior (1 número) e realizar as manobras descritas anteriormente.
Sobre a técnica Híbrida de Tagger, é importante destacar os seguintes pontos:
- Vantagens: Possibilidade de correção da obturação, tempo de trabalho, consumo de material, reabsorção interna, bom selamento, custo benefício.
- Desvantagens: Ausência de batente apical, aquecimento radicular, extravasamento do material e fratura do compactador.
Cuidados:
- Não utilizar rotação no sentido anti-horário;
- Evitar movimentos de vai-e-vem;
- Não usar sem batente adequado;
- Não se aproximar demasiadamente do batente apical (no máximo 4 mm aquém);
- É importante realizar treinamento prévio em dentes extraídos.
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Obturação endodôntica – Técnica do cone único
A obturação endodôntica com cone único é indicada após a instrumentação utilizando limas rotatórias ou limas reciprocantes, que permitem a modelagem mecanizada do canal e a obturação com um cone calibrado no mesmo diâmetro e conicidade do instrumento utilizado no preparo mecânico.
Nesta técnica, a diferença é que você usará somente um cone de guta-percha para obturar o canal.
Muitas vezes o uso de régua calibradora para o ajuste deste cone se faz muito importante. Para facilitar a técnica e corte do cone, podem ser usadas ponteiras de termocompactadores ou os tradicionais calcadores de paiva aquecidos em lamparina (figura 6).

Se limita aos canais em que podemos observar que somente um cone específico, com conicidade específica, se adapta ao canal radicular sem necessidade ou possibilidade de colocar cones acessórios.
É importante lembrar que, por ser uma técnica simplificada, o sucesso clínico depende da precisão na escolha do cone e da utilização adequada do cimento endodôntico.
Sobre essa técnica, é importante destacar os seguintes pontos:
- Vantagens: facilidade de execução, tempo clínico reduzido, boa adaptação do cone de guta-percha;
- Desvantagens: dependência da qualidade do preparo e da precisão do cone, risco de falhas no selamento apical e lateral.
A técnica é Indicada principalmente em canais com forma circular, preparados com sistemas rotatórios ou reciprocantes, que garantem ao conduto uma conicidade uniforme.
Obturação endodôntica – Técnica de onda contínua de compactação
A obturação pela técnica da onda contínua de compactação (Continuous Wave of Condensation) utiliza instrumentos aquecidos que plastificam o cone, permitindo sua compactação contínua ao longo do canal.
É indicada em casos complexos, com por exemplo em canais curvos, múltiplas ramificações ou presença de istmos.
A termoplastificação do cone de guta-percha proporciona um melhor selamento e preenchimento das regularidades. É feita a plastificação do cone no interior do canal com um instrumento aquecido, seguido uma imediata compactação vertical.
Existem duas fases nesta técnica de obturação: a Fase de Downpack (coroa ápice) e a Fase do Backpack ou Backfill (ápice coroa).
Saiba mais sobre a técnica:
Fase de Dowpacking
A parte do cone que se sobressai na câmara pulpar é cortada com transportador de calor. Com o maior dos compactadores escolhidos, a guta-percha então é compactada coronariamente.
O objetivo é alcançar sempre a maior área de guta amolecida e movimentá-la na direção apical. O compactador neste processo é pressionado em sentido apical com movimentos curtos e firmes para dentro do cone.
O transportador de calor é brevemente aquecido, introduzido por 3 a 4 mm na guta-percha e imediatamente retirado.
Então, o cone termoplastificado agora pode ser compactado na direção apical por aproximadamente 10 segundos. As paredes da cavidade devem estar livres de guta-percha.
Utilizam-se compactadores cada vez menores para que, durante a compactação não entre em contato com a parede do canal.
A troca rítmica entre aquecimento e introdução é mantida até uma profundidade de 5 a 7 mm do comprimento de trabalho. A caneta termoplastificadora realiza a fase inicial de corte, plastificação e condensação do cone dentro dos canais.
Os transportadores de calor não são prejudiciais e não sobreaquecem o dente. Apesar de terem temperaturas de 200 a 300 graus Celsius, eles não excedem a temperatura corporal externa de 10 graus Celsius (figura 7).

Fase do backpacking
Após o downpack, o canal é obturado sucessivamente de apical para coronal nos seus terços médio e coronários.
Para tanto, são introduzidos no canal pedaços de guta-percha de 3 a 4 mm, que são aquecidos e compactados com os compactadores (técnica de Schilder).
A guta também pode ser injetada e compactada diretamente no canal. O injetor térmico preenche o espaço criado dentro dos canais pela primeira fase da técnica, por meio da injeção automática de guta-percha aquecida.
Uma cânula pré-curvada e aquecida é introduzida no canal até que entre em contato com o cone que já foi compactado no canal, e em seguida aplicam-se pequenas porções de guta-percha termoplastificada.
Com esse aquecimento, garante-se a coesão e homogeneidade da obturação durante o backpacking (técnica de onda contínua de compactação).
👉 Importante: a guta-percha sofre contração após o aquecimento, devemos compensar na compactação vertical. (figura 8)

Sobre essa técnica de obturação, é importante destacar os seguintes pontos:
- Vantagens: excelente adaptação, preenchimento eficaz de canais acessórios e redução do risco da formação de bolhas;
- Desvantagens: curva de aprendizado mais acentuada e custo mais elevado em relação à outras técnicas.
É importante lembrar que, em forames mais amplos, necessitamos realizar técnicas dos cones moldados ou rolados ou mesmo fazer um tampão apical com cimento biocerâmico reparador. Cada caso deve ser avaliado minuciosamente e planejado para evitar erros.
Conclusão
Ao escolher da técnica de obturação endodôntica ideal para cada caso clínico, o profissional deve avaliar as características anatômicas do canal radicular e a complexidade do caso, para promover a longevidade do tratamento endodôntico.
O sucesso da obturação depende da limpeza, desinfecção e modelagem do sistema de canais e não somente da técnica e da escolha do cimento endodôntico. A obturação, por melhor que seja, não compensa falhas nessas etapas fundamentais.
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Sobre a autora:
Milena Perraro | CRO SC 7447
Doutora em endodontia USP Bauru;
Mestre e Especialista em endodontia;
Especialista em Implantodontia e Saúde Coletiva e da Família;
Professora de pós graduação Instituto Cemo (Balneário Camboriú – SC).
Referências Bibliográficas
Camargo, Maurício. Endodontia clínica: à luz da microscopia operatória: visão, precisão e previsibilidade. Nova Odessa, SP: Napoleão Editora, 2016.
Torabinejad, Mamoud; Walton, Richard. Endodontia e práticas. 4ª edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
Baumann, M; Beer Rudolf. Endodontia. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Ramos, Carlos Alberto Spironelli; Bramante, Clóvis Monteiro. Endodontia: fundamento biológicos e clínicos. Editora Santos, 2001.
Parabens pela iniciativa, colocando o clinico ao para das novas tendências na endodontia
Bom fim de semana
Clovis, Obrigada por nos acompanhar. Conte com a gente! 💙🧡
Excelente artigo.
Explicação clara, detalhada e com conteúdo bem objetivo, focado no interesse pelo ensino das técnicas do tratamento endodôntico.
Foi de grande utilidade no meu aprendizado nesta área da odontologia.
Obrigado.