Odontologia do sono: guia completo sobre distúrbios bucais e tratamentos

Você sente cansaço ou sonolência durante o dia? Parece que não dormiu? Quantas horas de sono por noite você dorme?

Essas são questões relevantes para considerar e investigar sobre a saúde do seu paciente: a presença de distúrbios do sono pode estar associada a problemas da saúde oral e por isso a Odontologia do Sono é tão importante!

Continue a leitura para entender melhor sobre essa correlação. Vamos abordar a fisiologia do sono, condições respiratórias relacionadas ao sono, diagnóstico e possibilidades de tratamento. Vamos lá?

O que é Odontologia do Sono?

A odontologia do sono é a especialidade responsável pelo diagnóstico, prevenção e tratamento das condições orais que prejudicam a qualidade do sono.

Ela atua principalmente em casos associados a distúrbios como:

  • Ronco primário;
  • Síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS);
  • Bruxismo do sono;
  • DTM e dor orofacial;
  • Refluxo gastroesofágico.

O ortodontista pode realizar tratamentos não cirúrgico (para casos selecionados), como o avanço mandibular por meio da prescrição de aparelhos intrabucais.

Outros profissionais, como otorrinolaringologista, neurologista, fisioterapeuta e fonoaudiólogo também participam, integrando uma equipe multidisciplinar que atua na reabilitação do paciente conforme a complexidade do caso.

Mas afinal, o que acontece enquanto dormimos?

O sono tem um papel importante na regulação da homeostase, que é a capacidade que o nosso organismo tem de manter o as condições biológicas internas (temperatura, pressão arterial etc.) em equilibro.

Funciona da seguinte forma:

O corpo humano segue o ciclo circadiano, isto é, o ritmo biológico durante o período de 24h.

A liberação do hormônio cortisol durante o dia põe o indivíduo em estado de vigília, o nível deste hormônio é dose dependente da exposição à luz.

Contudo, quando a exposição à luz diminui, os níveis de cortisol caem. A partir disso, seguem-se as ações dos reguladores que estimulam o sono:

  • A melatonina é liberada em resposta à redução da luz no ambiente e sinaliza o corpo que é hora dormir, desacelerando as atividades fisiológicas.
  •  Já a adenosina que se acumulou ao longo do dia reduz a demanda energética das células nervosas, promovendo relaxamento e a sonolência.

Infográfico explica o que acontece durante o sono, incluindo relaxamento muscular, processamento de informações, geração de estímulos criativos, reparo celular, detox metabólico, regulação emocional e outros processos importantes.

Odontologia do sono e distúrbio do sono: qual a relação?

Nesse sentido, o sono pode ser prejudicado em virtude de doenças que comprometem a saúde bucal. Podemos agrupá-las em cinco categorias de transtornos:

  1. Condições respiratórias relacionadas ao sono: ronco primário, síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS), síndrome da resistência das vias aéreas superiores (SRVAS).
  2. Condições do sono relacionadas à dor orofacial: DTM (disfunção temporomandibular), dor orofacial, síndrome da ardência bucal.
  3. Condições de umedecimento relacionadas ao sono:  xerostomia e hiper salivação.
  4. Condições do sono relacionadas ao refluxo gastroesofágico
  5. Condições do sono relacionadas aos movimentos mandibulares: bruxismo do sono.

Condições respiratórias relacionadas ao sono

Ronco primário

O ronco primário é o som causado pela vibração das estruturas da nasofaringe durante o sono. Não está associado à apneia, despertares, arritmias ou sonolência diurna.

SAOS

Já a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) envolve o bloqueio da passagem do ar nas vias aéreas superiores por mais de 10 segundos. Nela, o paciente desenvolve ≥ 5 eventos de apneia ou hipopneia a cada hora no decorrer do sono.

São sintomas comuns:

  • sonolência diurna;
  • despertares durante o sono;
  • insônia;
  • fadiga;
  • sufocação;
  • interrupção da respiração;
  • ronco alto;
  • dentre outros sinais clínicos.

Tabela explicativa sobre a síndrome da apneia obstrutiva do sono, classificando a gravidade em leve, moderada e grave, com sugestões de episódios por hora.

Esse distúrbio reduz a qualidade de vida por aumentar os riscos de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, acidentes vasculares cerebrais e a maior incidência de diabete.

Outro aspecto relevante é o perigo de mortalidade em pacientes que trabalham dirigindo, devido à sonolência diurna, que pode causar acidentes.

Fatores de risco para o desenvolvimento da SAOS

  • Obesidade;
  • Consumo excessivo de álcool;
  • Macroglossia (tamanho aumentado da língua);
  • Hipertrofia da glândula adenoide;
  • Retrognatismo mandibular (mandíbula posiciona-se recuada).

SRVAS

Na síndrome da resistência das vias aéreas superiores (SRVAS), nota-se a presença de dificuldade respiratória ligada a alterações na forma de desvio de septo, colapso da valva nasal e hipertrofia de corneto inferior.

Esta alteração tem por características comuns:

  •  resistência à passagem do ar nas vias aéreas;
  • despertares noturnos;
  • dificuldade para voltar a dormir, resultado em cansaço e sonolência diurna.

Diagnóstico e tratamento das condições respiratórias relacionadas ao sono

Além de uma anamnese detalhada, com questionário específico para investigar a presença de algum distúrbio respiratório, o exame físico do paciente também é significativo.

O padrão ouro de diagnóstico é a polissonografia, exame que detecta o tipo de distúrbio do sono que o paciente possui e, se for apneia, aponta seu grau de severidade.

Já o tratamento dos transtornos respiratórios do sono tem como objetivo:

  1. Melhorar a capacidade respiratória;
  2. Oxigenar o sangue;
  3. Favorecer o fluxo de ar pelas vias aéreas.

A primeira linha de tratamento envolve a manutenção da pressão positiva das vias aéreas com a oxigenação efetuada pelo aparelho CPAP.

Nos casos de ronco primário, síndrome da resistência das vias aéreas superiores e nos casos leves a moderados de apneia obstrutiva do sono, o tratamento pode incluir aparelhos intrabucais que avançam a mandíbula.

Odontologia do Sono e Ortodontia: entenda a relação

O ortodontista diagnostica e avalia os casos que podem ser beneficiados com a mecanoterapia ortodôntica, já que é preciso haver parâmetros cefalométricos que permitam este tipo de tratamento.

Estes aparelhos podem atuar somente na mandíbula ou em mandíbula e maxila, a escolha do tratamento depende de vários fatores, dentre os quais a faixa etária do paciente.

Infográfico comparativo sobre tratamentos odontológicos para pacientes infantis e adultos, destacando a abordagem ortopédica funcional e avanços no procedimento de mandíbula e disjunção palatina.

Vale ressaltar que o tratamento não cirúrgico dos distúrbios respiratórios do sono não promove a cura, mas sim o controle as estruturas orais envolvidas nos transtornos do sono para melhorar a respiração.

A psicoterapia, perda de peso, redução do consumo de álcool e, oportunamente, o tratamento medicamentoso também contribuem para a qualidade de vida do paciente.

E as intervenções cirúrgicas?

A cirurgia ortognática trata removendo as causas: avanço cirúrgico da mandíbula, disjunção cirúrgica da maxila, remoção dos obstáculos mecânicos da respiração (hipertrofia da glândula adenoide, hipertrofia de cornetos, desvio de septo etc.

A decisão pelo tratamento cirúrgico apoia-se no diagnóstico obtido com a polissonografia e possui uma terapia multidisciplinar que envolve:

  • Ortodontista;
  • Cirurgião bucomaxilofacial;
  • Otorrinolaringologista;

Além disso, pode contar também com o apoio de profissionais de fisioterapia e fonoaudiologia.

Condições do sono relacionadas à dor orofacial

A dor é um evento subjetivo que causa grande desconforto e pode atrapalhar a rotina de um indivíduo. Se permanece após o período considerado agudo, a dor torna-se crônica e pode ser desencadeada pela estimulação do sistema nervoso central e/ou periférico.

A dor orofacial engloba diversas condições marcadas por intensa sintomatologia dolorosa, e possuem algo em comum: o campo das emoções.

Mulher com expressão de estresse e desconforto, segurando a cabeça com as mãos, relacionada a dor orofacial, DTM e síndrome da ardência bucal.

Pessoas com dor orofacial crônica estão mais propensas a desenvolverem algum tipo de distúrbio do sono e vice e versa. Além disso, a privação do sono sensibiliza o sistema nervoso central (SNC), o que leva à fragmentação do sono e episódios de despertares noturnos.

DTM

DTM, ou disfunção temporomandibular, é um conjunto de condições musculoesqueléticas e neuromusculares que afetam os dentes, ossos, músculos, articulação temporomandibular e tecidos anexos, sendo a maior causa de dor orofacial.

Possui etiologia multifatorial, porém, está fortemente associada a fatores psicossociais, incluindo:

  • transtorno de estresse pós-traumático (TEPT);
  • ansiedade;
  • depressão.

Síndrome da Ardência Bucal (SAB)

A síndrome da ardência bucal (SAB) é definida pela Associação Internacional De Estudos Da Dor (IASP) como

“uma sensação intraoral de queimação, onde nenhuma queixa médica ou odontológica pode ser encontrada”.

Informação sobre a síndrome da ardência bucal (SAB), destacando seus possíveis fatores desencadeantes, como fatores locais, sistêmicos e psicológicos, em uma imagem de destaque azul.

A redução do fluxo salivar (xerostomia), dor e alteração do paladar compõem a tríade patognomônica para o diagnóstico da síndrome da ardência bucal. O tipo e a intensidade deste distúrbio podem também resultar em dificuldades para dormir.

Condições de umedecimento e a Odontologia do Sono

Xerostomia

A xerostomia é a redução do fluxo salivar que resulta em sensação de boca seca.

Ela pode se originar a partir de:

  • Síndrome de Sjögren;
  • efeito adverso de medicamentos (antidepressivos, antimuscarínicos, anti-histamínicos);
  • reação frente ao tratamento com quimioterapia/radioterapia;
  • efeitos da menopausa.
  • presença de transtornos psicológicos, como ansiedade.

Os portadores de xerostomia podem se queixar de fragmentação do sono, devido aos despertares noturnos causados pela sensação de boca seca, que os faz levantar para beber água.

Hiper salivação

Em contrapartida, a hiper salivação é o excesso da produção de saliva.

Assim como a xerostomia, essa alteração também pode interferir na qualidade do sono, já que existe um desajuste no ritmo entre a produção da saliva e a sua deglutição.

Isto acontece principalmente com pacientes que:

  • apresentam doença de Parkinson;
  • fazem uso de medicamentos sialagogos;
  • usam próteses mal adaptadas.

O acúmulo de saliva pode provocar tosse, engasgos ou, em casos mais severos, sufocação durante o sono.

Imagem explicativa sobre xerostomia e hiper salivação, destacando a importância do diagnóstico por cirurgião-dentista para o tratamento adequado dessas condições bucais.

O refluxo gastroesofágico pode influenciar na Odontologia do Sono?

O Refluxo gastroesofágico noturno pode estar correlacionado à presença da apneia obstrutiva do sono (SAOS) no seu tipo severo.

Os mecanismos que causam o refluxo noturno são:

  1. a baixa pressão do esfíncter esofágico que favorece o refluxo em consequência da pressão negativa no esôfago
  2. a pressão positiva do lúmen gástrico.

Ou seja: as estruturas que controlam o fluxo gástrico não impedem a ocorrência do refluxo, caracterizado pelo retorno do ácido estomacal para a boca.

Esse refluxo pode causar erosão dentária e sensibilidade nos dentes.

Condições de movimentos mandibulares

Bruxismo

O bruxismo é uma atividade parafuncional caracterizada pelo ranger de dentes ou pelo apertamento dentário realizado involuntariamente, deslocando a mandíbula.

Imagem exibindo a definição de 'parafuncional' relacionada às atividades do sistema mastigatório que extrapolam sua função fisiológica ou normal.

Nessa condição, os músculos mastigatórios, ATM (articulação temporomandibular), dentes, periodonto (gengiva, ligamento periodontal, cemento) e ossos são forçados a suportar forças excessivas, o que pode causar danos.

O distúrbio ocorre não só durante o dia, em situações de intenso estresse, mas também como bruxismo do sono.

Durante o exame clínico, observa-se no paciente a presença de:

  • Desgastes dentários, de restaurações dentárias, fraturas de coroas;
  • Dor orofacial;
  • Pulpite;
  • Retrações gengivais;
  • Dor e/ou estalo ao abrir e fechar a boca.

 Bruxismo relacionado à ansiedade

O bruxismo tem forte ligação com o processamento das emoções: ansiedade, depressão, estresse, medo, experiências traumáticas e raiva.

São sentimentos experimentados durante o dia e que, durante o sono, aparecem de forma involuntária sobrecarregando as estruturas orofaciais com movimentos de contração ou protrusão da mandíbula.

O quadro de depressão e estresse geram respostas hormonais ligadas à estimulação do bruxismo. Outros fatores predisponentes são consumo de álcool e/ou drogas e doenças neurológicas que provocam movimentação mandibular.

Imagem explicativa sobre a relação entre a dor miofascial, bruxismo, distúrbios do sono, movimentos das pernas e sono noturno.

Outros métodos diagnósticos podem incluir a polissonografia (padrão ouro), análise dos níveis de cortisol salivar e a detecção de DTM.

Conclusão

Neste conteúdo sobre Odontologia do Sono, vimos como a saúde bucal está intimamente ligada à qualidade do sono e bem-estar geral.

E o ortodontista possui papel fundamental no diagnóstico precoce de distúrbios dentário do sono, possibilitando o início de um tratamento multidisciplinar adequado.

A ortodontia, nesse contexto, melhora substancialmente o estado de saúde do paciente ao ampliar a capacidade respiratória, corrigir os problemas oclusais que acentuam a intensidade da dor relatada durante o bruxismo e DTM.

Além disso, o profissional pode orientar hábitos de higiene do sono, promovendo medidas simples que ajudam a preparar o corpo e mente para o momento de descanso.

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Sobre a autora:
Dra. Uila Ramos | CRO-PE 10.380
Graduada em Odontologia pela Universidade Federal de Pernambuco
Ortodontista formada pela Faculdade de Odontologia do Recife

Referências
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