Como a revascularização pode salvar dentes de crianças

Todos os cirurgiões-dentistas são promotores de saúde para seus pacientes. Muitas vezes, devido à criança ser muito pequena, procedimentos como anestesia ou o próprio manejo do paciente podem ser difíceis. Nesses casos, esses procedimentos podem ser realizados com sedação, executada por profissionais capacitados, dentro do próprio consultório do cirurgião-dentista. Dessa forma, o cirurgião-dentista passa a ter mais conforto para trabalhar.

Geralmente, a necrose pulpar em dentes com rizogênese incompleta pode apresentar infecções graves, inclusive com manifestações de lesões extra-orais, devido à gravidade do processo infeccioso. Embora essa manifestação seja rápida e agressiva, após a realização dos procedimentos corretos, em cerca de uma semana, já se observa uma melhora significativa do quadro.

Inicialmente, deve-se entender o processo de irrompimento e término da rizogênese dos dentes das crianças para determinar a opção de tratamento mais adequada. Esse intervalo geralmente acontece em aproximadamente 3 anos.

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Outro fator determinante é saber em qual estágio de Nolla (que são estágios de desenvolvimento do dente) o dente com necrose pulpar se encontra. Dependendo do estágio, se ele estiver mais avançado, como o estágio 9, por exemplo, pode-se optar por uma apicificação mediata ou imediata. Se o dente estiver em um estágio entre 7 e 8, com paredes extremamente delgadas e frágeis, pode-se optar por uma técnica endodôntica regenerativa para fortalecer essa estrutura radicular.

Para alcançar o fechamento do ápice radicular, deve-se manter viáveis a bainha epitelial de Hertwig e a papila dental apical. A papila apical, ou porção apical da papila dental, está localizada no ápice radicular de dentes permanentes em desenvolvimento. Este tecido, que se encontra frouxamente ligado ao ápice da raiz em desenvolvimento, passou a ser denominado papila apical. Identifica-se uma zona apical rica em células, inclusive células-tronco, no limite entre a papila apical e a polpa radicular.

É fundamental realizar um diagnóstico adequado frente a um caso de necrose em dentes com ápice aberto. Nos testes de sensibilidade elétricos e térmicos, deve-se considerar que, em dentes traumatizados, as respostas podem ser duvidosas. Inicialmente, pode haver respostas positivas, e ao longo do tempo, o dente pode evoluir para necrose, ou o contrário pode ocorrer, com respostas negativas no início que depois se tornam positivas. Em casos de trauma com resposta positiva logo no começo, a criança pode ficar receosa de fazer o teste novamente, pois o teste com gelado pode causar dor, e ela já conhece a sensação. As crianças são espertas.

Diante de um tratamento corretamente diagnosticado de rizogênese incompleta, é importante explicar as opções de tratamento aos pacientes, ou seja, aos pais, pois as crianças obviamente não têm discernimento para entender o tratamento. Muitas vezes, mesmo os pais, por mais esclarecidos que sejam, podem não compreender o tratamento, especialmente se for uma técnica endodôntica regenerativa.

A técnica endodôntica regenerativa, popularmente conhecida como revascularização, é uma opção de tratamento para casos de dentes permanentes jovens com necrose pulpar, pois permite a continuidade do desenvolvimento radicular. Esse tratamento visa substituir ou devolver ao dente danificado tecido vital e viável, preferencialmente de mesma origem, restabelecendo as funções fisiológicas normais do elemento dental.

A revascularização é um procedimento que promove o espessamento das paredes dentárias, previamente finas, aumenta o comprimento do dente, antes curto, e fecha o forame apical, evitando o enfraquecimento do dente e estimulando a formação de novo tecido no interior do canal radicular.

Os fatores determinantes para o sucesso são a descontaminação, a criação de uma matriz adequada e o selamento coronário. Primeiramente, devemos contar com células-tronco, uma matriz (arcabouço ou scaffold – o próprio sangue do paciente, PRP ou PRF) e a liberação de fatores de crescimento pelo EDTA, que auxilia na formação das células odontogênicas. Iremos falar sobre cada fator.

Tomografia cone beam de controle de dois anos de procedimento

Deve-se sempre chamar o paciente para preservações periódicas e em caso de tratamento estético posterior no dente, deve-se sempre lembrar o tipo de tratamento que foi executado para não dar a impressão errônea de tratamento de canal feito pela metade ou incompleto. Depois de um ano da terapia, o dente pode apresentar teste de sensibilidade positivo.

A terapia endodôntica regenerativa tem elevada taxa de sucesso, porém se não houver o fechamento do ápice ou a não regressão da lesão periapical, ainda tem-se a possibilidade de fazer uma apicificação imediata.

  1. Células-Tronco: Seu principal objetivo é substituir, reparar e melhorar órgãos e tecidos danificados. Dentes com rizogênese incompleta, mesmo necrosados, têm papila apical rica em células-tronco.
  2. Liberação dos Fatores de Crescimento: Os fatores de crescimento são proteínas que se ligam a receptores celulares e iniciam a indução da diferenciação ou crescimento celular. Uma vez induzida sua desmineralização com o uso de EDTA, por exemplo, esses fatores são liberados, exercendo um papel fundamental na formação da dentinogênese terciária. Para que o processo de regeneração ocorra e para que células e fatores de crescimento possam realizar seu papel, é necessário um ambiente favorável; para isso, a presença de uma matriz de crescimento é indispensável.
  3. Matriz ou Scaffold: Nada mais é do que, com um instrumento fino no interior do canal, gerar uma hemorragia, que logo em seguida formará um coágulo sanguíneo. Como consequência, cria-se um arcabouço para a criação de tecidos vivos e a continuação do crescimento normal da raiz. Dessa forma, ocorrerá a organização, proliferação, diferenciação e regeneração celular.

Protocolo de Tratamento para a Terapia Pulpar Regenerativa

  1. Seleção do Caso: Dentes com necrose pulpar e ápices abertos; dentes que não necessitem de pino/núcleo de preenchimento; pacientes e responsáveis devem estar cientes, e pacientes não podem ser alérgicos aos medicamentos utilizados no tratamento.
  2. Consentimento Esclarecido: O procedimento pode ser feito em duas ou mais consultas até a remissão dos sintomas. Podem ocorrer efeitos adversos, e alternativas de tratamento devem ser oferecidas.

Caso Clínico de revascularização em dentes imaturos:

Paciente de 8 anos estava brincando em casa, quando caiu em seu quarto e fraturou horizontalmente a coroa do dente 11. A colagem do fragmento foi feita por um profissional, e um mês depois, os pais trouxeram o paciente para nossa avaliação. Nos primeiros três meses, os testes de sensibilidade elétrica e térmica foram positivos. Após 6 meses do trauma, a criança voltou à clínica com uma fístula na região vestibular do dente 11 (Figura 1). Foi combinada a sedação da criança com uma médica anestesiologista, e o tratamento foi realizado em duas sessões.

Primeira consulta de uma revascularização em dentes imaturos
Figura 1. Primeira consulta

Procedimentos realizados:

Primeira Sessão:

  1. Anestesia e isolamento absoluto; cirurgia de acesso.
  2. Irrigação copiosa com hipoclorito de sódio a 1,5% ou 3% (20 ml por canal), por promover a maior taxa de sobrevivência e diferenciação das células da papila apical (SCAPs).
  3. Uso de EDTA a 17%.
  4. Secagem do canal com pontas de papel absorventes.
  5. Medicação intracanal (hidróxido de cálcio).
  6. Selamento provisório reforçado (com resina composta).
  7. Retorno do paciente em 1 mês.
Raio x inicial para o diagnostico de revascularização em dentes imaturos
Figura 2. Raio X inicial
Figura 3. Raio X do curativo com hidróxido de Cálcio

Segunda Sessão:

  1. Anestesia com mepivacaína a 3% sem vasoconstritor e isolamento absoluto.
  2. Irrigação com hipoclorito de sódio a 1,5% ou 3%.
  3. Uso de EDTA (20 mL por canal).
  4. Secagem com cone de papel.
  5. Estimulação do sangramento apical (CRD + 2 mm).
  6. Proteção do coágulo (Hemospon).
  7. Uso de um biocerâmico reparador de presa rápida.
  8. Restauração final e acompanhamento radiográfico e/ou tomográfico.
Figura 4. Tomografia cone beam de controle de dois anos de procedimento

 

 

 

 

Figura 5. Raio X de controle de dois anos

É importante sempre chamar o paciente para preservações periódicas e, em caso de tratamento estético posterior no dente, lembrar do tipo de tratamento realizado para não dar a impressão errônea de tratamento de canal feito pela metade ou incompleto. Após um ano da terapia, o dente pode apresentar teste de sensibilidade positivo.
A terapia endodôntica regenerativa tem uma elevada taxa de sucesso; entretanto, se não houver o fechamento do ápice ou a regressão da lesão periapical, ainda há a possibilidade de realizar uma apicificação imediata.

Sobre a autora:

Dra. Milena Perraro | CRO SC 7447

Doutora em endodontia USP Bauru;
Mestre e Especialista em endodontia;
Especialista em Implantodontia e Saúde Coletiva e da Família;
Professora de pós graduação Instituto Cemo (Balneário Camboriú – SC).

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